O celibato na Igreja Católica

 

A igreja católica dos nossos dias debate-se com grave crise de falta de padres e candidatos ao sacerdócio. Os que restam são poucos e idosos, e os seminários estão a fechar as portas. Os bispos a vender locais de culto, a encerrar igrejas, a conjugar serviços paroquiais, e a assistência e frequência religiosas notoriamente limitadas a quase só a pessoas idosas.

No meio desta crise, apesar de tudo, as mulheres continuam o a ser o núcleo forte da igreja, embora, sem acesso ao sacerdócio. Permanecem oficialmente impedidas pelo machismo secular de mais de dois mil anos de ascenderem à hierarquia eclesiástica. Sem acesso ao sacramento da ordem! Por sua parte, a juventude mantem-se à margem desta situação, sem o apelo duma igreja ultrapassada para os dias de hoje.

 Sem dúvida, entre outras a razão principal da falta de clero advém do celibato imposto aos sacerdotes sem opção de escolha como se a vida familiar, constituída pelo pai e mãe, marido e esposa, filhos e filhas, netos e netas não fosse a expressão mais real do amor. Haverá algo mais significante e sublime que a relação amorosa entre os diversos membros duma família. Não há sentimento algum, nem expressão de felicidade que se possa comparar à ternura duma criança nascida do amor dum homem, pai e de uma mulher, mãe! Nada, absolutamente nada na vida humana pode ultrapassar a felicidade de erguer nos braços ou simplesmente olhar nos olhos uma criança carne da nossa carne, fruto do nosso amor compartilhado. Quem nunca sentiu tal prazer desconhece o que a vida tem de melhor para oferecer e estará sempre em deficit de plenitude humana.

Num passado relativamente recente, os jovens entravam no seminário ainda crianças de onze anos na sua maioria e algumas de dez apenas. Uma vez lá dentro, recebiam o símbolo clerical da sua renúncia ao mundo, ao serem investidos numa batina preta e longa que os cobria dos pés à cabeça. Começava então a fuga ao contato e convívio do sexo oposto, fruto proibido da árvore da vida no jardim terreste da reclusão dos seminários, protegidos por rigoroso treino psicológico, intelectual e mental para uma vida celibatária com rezas frequentes, meditações matinais, confissões semanais, retiros espirituais e sacrifícios diários na perspectiva de uma vida de castidade, símbolo máximo da generosidade pessoal. Era a orientação que igreja infringia aos futuros eclesiásticos. A mulher era considerada o fruto proibido, o grande obstáculo à vocação clerical celibatária destas crianças jovens destinadas a uma vida de despreendimento total. A igreja tridentina tornara-se deste modo jansenista e puritana, mesmo desumana.  

Sabe-se, porém, que os primeiros eleitos por Jesus, para a sua igreja, os chamados apóstolos, eram todos casados, exceto um. Além disso, as primeiras pessoas que seguiram Jesus e assumiram a responsabilidade de divulgar a mensagem evangelhica não foram só homens segundo a bíblia. Mulheres, fieis e corajosas seguidoras de Jesus até ao calvário. Foram as primeiras testemunhas da ressurreição, enquanto que os homens que mais tarde se apoderaram da hierarquia, alguns deles chegaram a negar que o conheciam e dispersaram intimidados. Todavia, mais tarde, assumiram a responsabilidade da chefia da igreja, refugiando-se nas malhas da hierarquia, seguindo os passos do imperador Constantino.

Além disso, a virgindade eclesiástica com todas as suas glórias, dificuldades, crises e escândalos só bastante mais tarde assumiu o estatuto de via única para o sacerdócio na igreja católica. Sem esquecermos que mesmo vários papas do período renascentista eram casados e chegaram até a celebrar no Vaticano o casamento dos próprios filhos e filhas com toda a pompa e circunstância.

No entanto, a seguir ao cisma protestante, na Alemanha e Inglaterra, em que Martinho Lutero e Henrique VIII assumiram a liderança religiosa naqueles países, o primeiro por razões teológicas, o segundo por motivos de sucessão monárquica e intrigas políticas, o celibato eclesiástico  assume proporções de superioridade espiritual de renúncia total, inclusive do prazer sexual, mesmo no contexto sacramental do matrimónio. A partir de então, acentua-se o machismo católico e a exclusão da mulher da hierarquia eclesiástica até aos nossos dias.

Por quanto tempo mais?!... Estou convencido que não será por muito mais, se a igreja quiser sobreviver a uma das mais graves crises da sua história e fazer justiça com metade da humanidade, as mulheres.