A ilha de Santa Catarina foi a melhor forma que Deus encontrou para tornar o Sul do Brasil um pouco menos longe dos Açores e muito mais parecido com o seu arquipélago paterno. Percorridos quase 10.000 quilómetros, passados quase 300 anos, aqui ainda estamos como somos, com sangue açoriano em sotaque brasileiro.
A emigração oficial para o Brasil meridional cessou há dois séculos, mas terá resultado em mais de dois milhões de descendentes que recuperaram e valorizaram a herança cultural açoriana, especialmente desde que o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina organizou em 1948 o congresso do bicentenário do povoamento açoriano.
A herança cultural açoriana encontra-se disseminada no litoral continental do Brasil meridional e concentrada na ilha de Santa Catarina, especialmente em municípios como Santo António de Lisboa, Ribeirão da Ilha, Pântano do Sul.
Maioritariamente instalada na ilha, mas estendida também para o litoral continental, a cidade de Florianópolis é a capital do Estado de Santa Catarina, que regista quase sete milhões de habitantes em quase cem mil quilómetros quadrados.
Esta capital estadual fundada por açorianos conta atualmente com mais de 460 mil habitantes numa área de 670 quilómetros quadrados. É considerada a cidade brasileira com melhor qualidade de vida, baseando o seu desenvolvimento económico nas tecnologias de informação e no turismo. A herança cultural açoriana é oficialmente assumida como atrativo do seu desenvolvimento turístico.
Institucionalmente, Florianópolis tem a Irmandade do Divino Espírito Santo fundada em 1773, o Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina criado em 1984, a Casa dos Açores de Santa Catarina organizada em 1999 – além de outras que foram ou são dirigidas por descendentes de açorianos, como o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, a Academia Catarinense de Letras, a Fundação Municipal Franklin Cascaes.
Oficialmente, Florianópolis comemora o “Dia Estadual do Manezinho” a 7 de janeiro, o “Dia Municipal das Festas do Divino” no Pentecostes, o “Dia Municipal do Manezinho da Ilha” no segundo sábado de junho, o “Dia Municipal da Açorianidade” a 31 de agosto, o “Dia Municipal da Rendeira” a 21 de outubro e, mais recentemente, a própria “Semana Municipal da Cultura Açoriana”, também em agosto.
Externamente, Florianópolis está geminada com três das seis cidades açorianas: Angra do Heroísmo desde 1995, Ponta Delgada desde 2003 e Praia da Vitória desde 2010.
Catorze festas do Divino Espírito Santo noutros tantos municípios da ilha de Santa Catarina testemunham a resistência e a representatividade da herança cultural açoriana que marca todo o litoral do Brasil meridional. Desde as Grandes Festas de Florianópolis, inspiradas nas da cidade-irmã Ponta Delgada, até às genuínas celebrações populares de comunidades antigas, pequenas e distantes, como Ribeirão da Ilha ou Pântano do Sul, os caminhos do Divino percorrem mais de 275 anos de cumplicidade transatlântica…
A Irmandade do Divino Espírito de Santo de Florianópolis, fundada em 1773 e hoje com 800 irmãos, é um dos justificados motivos de orgulho de sucessivas gerações descendentes dos povoadores açorianos da ilha de Santa Catarina, no sul do Brasil. Nasceu junto à catedral metropolitana da capital estadual, na então por isso designada “Rua do Espírito Santo”, e detém a Igreja do Divino Espírito Santo, construída em 1930, onde promove anualmente a sua festa maior.
A festa do Pentecostes inicia-se com um tríduo que envolve a participação das 14 Irmandades do Divino ainda ativas na ilha de Santa Catarina, culminando domingo com uma missa campal para mais de mil pessoas, presidida pelo arcebispo metropolitano de Florianópolis, onde é coroado um adolescente em representação simbólica do Imperador.
As cidades contíguas de Florianópolis e S. José, que partilham as margens insular e continental de Santa Catarina, totalizam hoje mais de 700 mil habitantes numa malha urbanística comum iniciada pelos povoadores açorianos no Brasil meridional do século XVIII.
O mapa da população registada no litoral catarinense em 1750, arquivado no Arquivo Histórico Ultramarino, comprova bem o contributo determinante dos povoadores açorianos para o estabelecimento das primeiras comunidades da Grande Florianópolis: em Nossa Senhora do Desterro, atual cidade de Florianópolis e capital estadual de Santa Catarina, contavam-se 1.300 filhos das ilhas e 1.000 filhos da terra; em S. José da Terra Firme, atual cidade de S. José, estavam inscritos 230 filhos das ilhas e 80 filhos da terra.
Esse reconhecimento oficial tem mesmo registo público e perene no “Monumento dos 250 anos do Povoamento Açoriano”, inaugurado em 2002. O monumento enumera os açorianos que fundaram a cidade de S. José – 211 do Pico, 207 da Terceira, 142 de S. Jorge, 130 do Faial, 39 da Graciosa, 24 de S. Miguel e 6 de Santa Maria.
_____
Diretor Regional das Comunidades no Governo da Região Autónoma dos Açores. Baseado num texto do seu livro Transatlântico II – Açorianidade & Interculturalidade (2024)