Açores e Cabo Verde, os extremos da região atlântica da Macaronésia, são dois ramos de um tronco comum.
Partilhamos a mesma história, a mesma cultura, a mesma língua, o mesmo horário, o mesmo mar e, até, a mesma condição arquipelágica, cada qual, com nove ilhas habitadas.
Como se fôssemos um povo único de mais de 700.000 insulares irmanados num mesmo arquipélago de 19 ilhas: Boa Vista, Brava, Corvo, Faial, Flores, Fogo, Graciosa, Maio, Pico, Sal, Santiago, Santa Luzia, Santa Maria, Santo Antão, São Jorge, São Miguel, São Nicolau, São Vicente e Terceira.
Mas partilhamos também a condição multisecular de povo emigrante.
Vivemos nestas ilhas desde meados do século XV, sempre com vontade de sair e de voltar.
Transportamos e afirmamos a nossa identidade cultural, projetando e valorizando as nossas ilhas no outro lado do Atlântico.
Em ambos os casos, temos, pelo menos, três vezes mais naturais e descendentes a viverem na nossa diáspora do que nas nossas ilhas.
Açorianos e cabo-verdianos partilham até alguns destinos emigratórios, como a costa leste dos Estados Unidos da América, donde resulta o voo regular da SATA Internacional entre Boston, Ponta Delgada e Praia.
E temos o gosto de contar nos Açores com uma das nossas mais antigas e estimadas comunidades de imigrantes, exatamente proveniente de Cabo Verde.
Segundo o mais recente relatório oficial relativo ao ano de 2022, residem oficialmente nos Açores 254 cidadãos com exclusiva nacionalidade cabo-verdiana.
Estão distribuídos por oito das nove ilhas, mas especialmente concentrados em quatro: Pico, Faial, Terceira e São Miguel.
Isto para além de um número incontável de naturais de Cabo Verde que já tinham ou adquiriram nacionalidade portuguesa.
Em qualquer caso, encontram-se todos plenamente integrados na sociedade açoriana, que agora é sua também, com reconhecida vantagem para ambas as partes.
A nossa cumplicidade tem passado, tem presente e tem futuro.
No alinhamento cúmplice dos quatro arquipélagos da Macaronésia, os extremos tocam-se, mas também tocam para dentro e são tocados pelas ilhas do meio, mais nove como nós: Fuerteventura, Gran Canaria, Hierro, La Gomera, La Palma, Lanzarote, Madeira, Porto Santo e Tenerife.
Estamos todos irmanados pela geografia… e pela poesia.
Somos, afinal, um arquipélago de 28 ilhas com alma poética.
Somos todos navegantes das mesmas ondas de um oceano comum.
Todos iguais, mas todos diferentes.
Cada qual com a sua identidade, com a sua cultura, com a sua poesia, com o seu hino.
Por isso vale a pena conhecer e comparar os quatro autores dos quatro poemas dos quatro hinos dos quatro arquipélagos.
Em Cabo Verde, Amílcar Spencer Lopes.
Nasceu em 1948, na Ribeira Brava da ilha de São Nicolau. É advogado e diplomata. Foi Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Cabo Verde nos Estados Unidos da América e Canadá, Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades, Presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde e Presidente da União dos Parlamentos Africanos.
Nas Canárias, Benito Cabrera.
Nasceu em 1963, na Venezuela, mas cedo se mudou para Lanzarote e passou a maior parte da sua vida em Tenerife. Licenciou-se em Psicologia na Universidade de La Laguna. Músico de profissão, é compositor e timplista. Foi professor do Conservatório Superior de Música de Canárias e é autor de temas emblemáticos da música canária, como Nube de Hielo ou Una sobre el mismo mar.
Na Madeira, Ornelas Teixeira.
Nasceu no Funchal e ali faleceu no ano 2000. Foi funcionário administrativo em Moçambique, como responsável pelo arquivo de notícias de Lourenço Marques. Regressado á Madeira, dedicou-se ao jornalismo colaborando nos jornais O Retornado e Eco do Funchal. Organizou as Jornadas Literárias da Madeira e publicou o livro de poemas Liricofonia, editado pela Espaço XXI em 1999.
Nos Açores, Natália Correia.
Nasceu em Ponta Delgada há 100 anos, em 1923, e faleceu em Lisboa há 30 anos, em 1993. Publicou poesia, romance, teatro e ensaio. Venceu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. Criou o bar lisboeta de tertúlia literária Botequim, foi cofundadora da Frente Nacional para a Defesa da Cultura e interveio politicamente como Deputada à Assembleia da República.
São estes os quatro poetas que cantam a identidade da Macaronésia nos hinos oficiais dos seus quatro arquipélagos. Dos Açores a Cabo Verde, passando por Madeira e Canárias.
_____
Diretor Regional das Comunidades no Governo da Região Autónoma dos Açores. Baseado num texto do seu livro Transatlântico II – Açorianidade & Interculturalidade (2024)