O REGRESSADO

 

Marcelo retomou o seu histórico modo de fazer política


A noite de ontem alterou-se de um modo cabal: esqueci-me de jantar, só me dando conta de tal já segundos passados sobre a meia-noite. A culpa, digamos assim, foi do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, com aquelas suas palavras aos portugueses, mas que não me convenceram.
Soube hoje, nesta sexta-feira, que Adalberto Campos Fernandes, em boa hora substituído por Marta Temido, nos explicou, sempre apoiando quanto possa ser feito, ou dito, pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que quem não se sente, não é filho de boa gente. E é assim a realidade, que foi até bem sentida pelo Primeiro-Ministro, António Costa, ao ler na anterior edição do Expresso que Marcelo exigia a saída do ministro João Galamba. Sendo filho de boa gente, o Primeiro-Ministro sentiu esta revelação como a sua mesma transformação num condutor da governação, mas tutelado pelo Presidente da República. E sentiu-se atingido na sua dignidade institucional.
Podemos hoje tomar por certo que o Primeiro-Ministro falara já, ainda fora de Portugal, com o Presidente da República sobre quanto havia tido lugar com o ministro João Galamba, tendo, quase com toda a certeza, aquiescido na ideia que sempre pareceu óbvia a todos: o ministro deixara de manter condições políticas para o desempenho das funções em que se encontrava investido. O problema residiu, precisamente, no facto de que António Costa, sendo filho de boa gente, sentiu como um vexame a revelação, nas colunas do Expresso, da conversa convergente que mantivera com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Bom, defendeu, nestas circunstâncias, o seu bom nome e a sua dignidade política e institucional. Este texto poderia ficar por aqui, apenas remetendo o leitor para as acertadíssimas considerações de Vital Moreira no seu blogue, convindo não esquecer os comentários de Jorge Reis Novais e Manuel Magalhães e Silva, e este já em dois programas televisivos distintos. Vale a pena, todavia, que se perceba esta realidade simples: há muito que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vinha jogando, a um ritmo quase diário, em muitas situações sem um mínimo de oportunidade, com armas nucleares políticas diversas. Ainda assim, lá pontificou o bom senso político, também aqui fugindo da utilização deste tipo de arma política.
Um dado é certo: o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa teve a mais cabal razão na análise que fez ao que se passou com o ministro João Galamba, mas já não se determinou a reconhecer que a notícia do Expresso se constituiu numa amostra do que, afinal, se veio depois a passar com a decisão final do Primeiro-Ministro. O que nos leva a colocar estas dúvidas: teria a decisão do Primeiro-Ministro sido a que se viu se a notícia do Expresso não tivesse sido dada; em que posição ficaria o Primeiro-Ministro se aquiescesse, depois daquela notícia, em retirar João Galamba; e como foi que a notícia do Expresso, traduzindo, como tudo faz crer, o que ficara decidido entre Marcelo e Costa por telefone, chegou àquele nosso semanário? Com um mínimo de atenção, o leitor facilmente perceberá que o Presidente da República não explicou aos portugueses a resposta a nenhuma destas questões essenciais a uma compreensão cabal das causas do que depois se passou.
Por fim, o tal futuro que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa referiu. Ao dizer o que se lhe pôde ontem escutar, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa colocou-se na posição de uma espécie de perseguidor implacável: qualquer crítica, mesmo que correta e oportuna, irá sempre ser vista como uma manifestação dessa tal perseguição implacável. Será preferível continuar a manter a parte salutar do bom relacionamento interinstitucional que se conseguiu ao longo de anos, havendo o dever do Presidente da República reconhecer o erro de se dar à estampa a decisão ligada a uma conversa que, quase com toda a certeza, havia tido lugar e marcada por uma objetiva consonância de pontos de vista.
E já mesmo para lá do fim, uma nota para a nossa grande comunicação social: deixem de tratar a vida política como um combate de gladiadores, e evitem – por favor!! – tratar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa como alguém ungido pelo dom da infalibilidade, nunca podendo ser criticado ou tocado, mas aceitando-se que possa fazer tido isso e imensamente mais. São comportamentos que roçam o ridículo.