Salvar a SATA... mas sem a TAP!

 

Francisco César começou bem.
Marcou a agenda com propostas novas e obrigou Bolieiro a aceitar o desafio para, em conjunto, desenharem um modelo para salvar a SATA.
O problema é que já vai tarde.
A preocupação em salvar a SATA devia ter sido assumida no tempo dos governos do PS, que descuraram a situação na empresa.
Quanto à proposta de, eventualmente, juntar a SATA à TAP, um desejo antigo de quem ainda pensa como Lisboa, era perfeitamente escusada.
O pior que poderia acontecer à SATA era ser engolida pela TAP e voltarmos ao tempo do monopólio das rotas domésticas.
A SATA não tem alternativa, no momento presente, a não ser entregá-la a gestores privados, que façam dela o que os gestores políticos não tiveram coragem de fazer.
Vai ser dolorosa a inevitável reestruturação da companhia, que poderia ter sido evitada se as sucessivas administrações, até hoje, a tivessem implementado mais cedo.
Não houve coragem, não houve mão firme, continua tudo igual e a SATA continua em voo picado.
Em 2023 o grupo teve um prejuízo consolidado de 37,6 milhões de euros (37,55 milhões, em 2022), não mudou muito.
Houve uma operação fiscal em 2022 que implicou a contabilização de “crédito” por impostos de 19 milhões de euros  e que em 2023 estava em apenas 1,8 milhões.
Sem esta vantagem os resultados de 2022 teriam sido de -56,9 milhões e os de 2023 de  -39,4 milhões.
O EBITDA  (resultado das operações correntes, sem amortizações - uma reserva para reinvestimento-, sem encargos financeiros e sem impostos) , sobe, de facto, de 12 para 30,9 milhões de euros, mas esta melhoria é “comida”, pelo caminho, por amortizações, juros e impostos.
A dívida consolidada do grupo sobe de 189 milhões em 2022 para 242 milhões em 2023 - mais 53 milhões.
O voo não está a ser fácil, mesmo com a optimização de todos os mecanismos contabilísticos previstos e com as tão anunciadas receitas recordes.
A questão dos trabalhadores e do custo com pessoal não deixa de ser política.
Enquanto não for encarada como uma questão comercial e de gestão racional, a SATA, sobretudo a Azores Airlines, não tem futuro na gestão pública.
Foi esta a principal questão que fez fugir alguns investidores, que até levantaram o caderno de encargos.
Numa empresa desta dimensão, com 1.700 trabalhadores, que precisa de ser reestruturada, como é possível continuar a absorver mais funcionários?
De 593 trabalhadores em 2021, a Azores Airlines passou para 739 em 2023 (custos com pessoal tiveram um aumento de 9 milhões de euros, +21%)!
Uma boa parte deles (305) está na base de Lisboa, um encargo que é uma dor de cabeça numa companhia tão pequena.
A SATA deu um passo maior do que a perna nestes últimos anos: meteu-se em rotas que nunca devia operar, expôs-se demasiado com a curta frota que dispõe e não soube medir o risco das avarias ou outras anomalias, como veio a acontecer.
Consequências: pagou, só em ACMI’s (aluguer de aviões), mais de 15 milhões de euros, mais 345% do que em 2022.
É o maior encargo financeiro nos gastos operacionais, quase o dobro do aumento dos custos salariais, coisa nunca vista numa companhia de aviação.
Este ano, vai pelo mesmo caminho.
E em indemnizações aos passageiros foi obrigada a pagar 6 milhões de euros!
Nenhuma companhia aérea, nos moldes da SATA, aguenta esta carga imprevisível, mesmo com uma boa ‘performance’ operacional: 17% de aumento de voos em relação a 2022, 21% de aumento lugares oferecidos, 33% de aumento passageiros e 82% load factor (taxa de ocupação global).
A inevitável reestruturação do Grupo não se devia restringir, apenas, a reformas antecipadas (a reabertura do programa de pré-reformas, lançado em 2021, resultou num aumento das responsabilidades com um impacto de 4,4 milhões de euros em 2023, mais 1,6 milhões de euros do que o valor registado no ano anterior).  
Há que ir mais longe, nomeadamente no próprio modelo de ‘governance’ da companhia, que nunca devia estar dependente dos humores políticos dos governos.
O Grupo devia ter um Conselho Geral da Holding, composto por personalidades de reconhecido mérito da região, especialmente empresários de sucesso, que, por sua vez, nomeava um órgão executivo para a Azores Airlines e outro para a Air Açores, para que uma não contaminasse a outra, como acontece.
Os gestores responderiam apenas ao Conselho da Holding, desligando-se, assim, da tutela política.
É que a política e a incompetência de muitos gestores e secretários regionais foram o cancro da SATA.
Perante todo este cenário não é crível que, numa próxima privatização, alguém leve a sério que a empresa, afinal, não vale 6 milhões de euros, mas 20 milhões, como pretende o governo.
A piorar o quadro, David Neeleman, com a sua Breeze a baixos custos, vai competir com a Azores Airlines, no próximo ano, na operação dos EUA, a rota que dá mais lucro.
Salvar a SATA, nas mãos dos políticos, é continuar o mesmo erro de há vários anos.
Entregá-la à TAP seria outro suicídio.
Os próximos tempos não serão fáceis e, por incrível que pareça, os políticos continuam a dificultar a vida à companhia, atrasando a nomeação de um Conselho de Administração.
Para pagar a factura de tudo isto é que não haverá atrasos.
Os accionistas - nós contribuintes - estarão cá para pagar todos estes desmandos.
Como sempre.