Duas duras deceções

                                             

Não gosto mesmo nada da palavra deceção e já explico porquê, para meu desprazer, visita-nos inoportunamente na vida sem lhe permitirmos tal ousadia. É chato, mas o que é que uma pessoa há de fazer para a assustar de maneira a não querer vir cá azedar-nos tão amiúde com aquele seu mordente sentimento nunca fácil de digerir e que nos custa bastante a engolir? Arde, dói, irrita-nos e arrasa-nos desrespeitosamente, forçando-nos a fazermos figuras tristes, com o pior das nossas emoções a navegarem-nos à flor da pele. Não é aconselhável à saúde porque tudo pode acontecer, como aconteceu recentemente com o amargo afastamento da nossa seleção nacional de futebol do Euro-24, deixando muita malta lusa deveras dececionada por termos sido eliminados do jeito que fomos. A partir do momento em que o mal-amado João Félix teve o azar de acertar com o seu penalti no poste, fizeram logo dele um fácil bode expiatório, chamando-lhe palhaço mais outras coisas próprias de gente que não sabe estar no futebol. Mal a sua equipa perde, tratam logo de soltar os seus raivosos instintos cuspidos com insultos reles e toca a agredir as salutares normas do bom desportivismo, esquecendo-se do desporto rei visto apenas como um jogo jogado por seres humanos, sempre sujeitos a falharem e a errarem. 
Perder ou ganhar, tudo é desporto – costumávamos dizer, um tanto ou quanto ingenuamente, no tempo da minha mocidade, quando também adorava jogar á bola, farto de saber que falhar é humano. Muito embora faça igualmente parte da complexa natureza humana esse feio comportamento de não se querer desculpar facilmente quem falha objetivos ou erra alvos, ficando aquém dos sempre tão almejados resultados de sucesso. Insucessos, como bem sabemos, são revezes muito difíceis de serem perdoados neste competitivo mundo do hoje em dia, onde ninguém gosta de perder, seja no que for e em qualquer etapa da vida, mesmo quando a idade, de avançada, já não perdoa. Olhem só – e saltando desse sempre polémico campo da bola para a polémica arena política – a enorme deceção que sofreu o presidente Joe Biden no recente debate que travou com o seu rival, Donald Trump. Estava certamente à espera de se desenrascar muito melhor do que conseguiu, ao deixar tanta gente bastante desapontada com o seu fraco desempenho que só veio aumentar o volume das apreensões à volta da sua teimosia em não querer agora desistir da corrida presidencial – “a não ser que Deus venha cá abaixo dizer-lhe o contrário.” Como se Deus não tivesse mais nada que fazer.
Deus vai perdoar-me, de certeza, esta minha também teimosa cisma em não querer dar nada por um e outro, adiantados que estão já demais em idade de insistirem na toleima de serem a solução ideal para liderarem os destinos desta poderosa nação, sobretudo quando decidem debater-se cuspindo cá para fora aquele reciclado paleio inflamatório dos seus sujos ataques pessoais incendiando a porca politiquice americana de jeito absolutamente repugnante. A excessiva bagagem negativa que ambos arrastam consigo, torna-os alvos fáceis do ridículo em que caíram e vão continuar a cair, dececionando-nos à grande. Ao persistirem em quererem saltar a agitada fogueira das suas nocivas ambições, sujeitam-se a faíscas escusadas, como as que saem destas rimas, que bem poderiam ter ficado atrás... mas o que é que querem? Deceções são deceções e, seja lá em que escala for, não presta abafarmo-las enquanto há fogo pegado em palhaçadas perigosas. 

E nisto, palha por palha,
Pela seara dourada,
Um feio fogo não falha,
E pela palha espalha
O pior da palhaçada.

O palhaço criminoso
Disfarça bem como é,
Com sua cara de gozo
E seu ar super-manhoso,
Ninguém o diz ter má fé.

Mas pior é a esperança,
Ardendo a cada passo,
P’lo rastilho que lhe lança,
No veneno da vingança,
O outro sonso palhaço.

Com o seu ar de anjinho
E figura de totó,
Faz-nos pensar, “coitadinho”,
Ao dizermos, bem baixinho,
“Coitadinho, mete dó.”

Metem os pés pelas mãos,
E já trocam os seus passos,
Veteranos cidadãos,
Que se dizem bons cristãos,
Escusavam ser palhaços.

Mas, da palha p’ró paleio,
O que dizem, incendeia,
Com insultos pelo meio,
Apostam, forte e feio,
No mentir de boca cheia.

Não dizem coisa de jeito,
Mas não é nada de novo,
Serviço muito mal feito,
Jurarem de mão no peito
P’ra enganarem o povo.

O Zé Povinho, coitado,
Vê, mas não se atrapalha,
Farto de ser enganado,
Lá vota, desconfiado,
Dizendo, “mas que canalha!”

Mas que corja d’aldrabões,
Seu mentir não tem medida,
Refinados charlatões,
Servem-se das eleições
P’ra nos tramarem a vida.

Vida de quentes e frios
Altos e baixos momentos,
E de tantos arrepios
Vindos desses desafios 
Que nos ferem sentimentos.

Ferido p’los disparates
Que ouvi dos dois velhinhos,
No pior dos seus debates,
Eu disse, “estes tolinhos,
Quem tivesse uns tomates
P’ra lhes mandar ao(s) focinho(s).