Os passos da cultura e da indústria do Chá na ilha de São Miguel: De ontem a hoje (subsídios) II - Depois de José do Canto

 

 

 

Que iria acontecer ao chá após a sua morte? Será que os herdeiros iriam entender-se? A leitura que faço dos dados disponíveis, leva-me a afirmar com algum grau de certeza: sim. Uma carta escrita do Porto Formoso, datada de 24 de Janeiro de 1898, meses antes da morte de José do Canto, do feitor João Carreiro, dirigida a Artur Hintze Ribeiro, abre, a este respeito, várias possibilidades: primeira, se a família de Artur permanecera na ilha naquele ano mais tempo do que habitualmente, é possível ver no facto o humano desejo de passarem juntos o último Natal em vida de José do Canto, até mesmo ver nisso a sua esperada morte, segunda, ver igualmente nisso, mercê desta proximidade fatal, a possibilidade de os herdeiros terem chegado a um entendimento antes de o patriarca desaparecer. 
O sobrinho Eugénio Pacheco, quatro dias após a morte do tio, escreveu na primeira página do seu Jornal, O Preto no Branco, que a sua morte ‘(…) fosse mais ou menos aguardada, em face dos rápidos progressos da sua enfermidade (…).’1 Sendo José do Canto, previdente e acutilante, não padecendo de uma doença que o incapacitava do ponto de vista intelectual, não é de pôr de parte a hipótese de essa aproximação ter vindo do próprio patriarca. A citada carta, dá conta das actividades da Casa Canto ao genro, não a José do Canto, como seria de esperar. A 24 de Janeiro Artur ainda está na Ilha: ‘(…) Quando eu souber [escreve João Carreiro] que V. excelência que se vai embora para Lisboa nas vésperas pretendo ir a essa cidade [Ponta Delgada] para ver Vossa Excelência antes do embarque.2 Assim sendo, Artur Hintze já estaria ao leme da Casa Canto nos últimos meses de vida do sogro? É uma hipótese em aberto.

Que seria feito ao empreendimento do chá?
Segundo Maria da Graça, a avó Margarida, cabeça de casal eleita, ‘era uma administradora escrupulosa,3 ’além de ser ‘uma pessoa activa e objectiva,4 o que lhe terá levado cedo a perceber que urgia agir sem mais delongas. Não se sabe ao certo quando, se ainda em vida do pai ou já depois, passou procuração ao marido. Mas, teria mantido o controlo sobre o marido. A respeito dos gastos exagerados de Artur para auxiliar o irmão Ernesto, socorrendo-me ainda das memórias da neta: ‘achou que não devia sacrificar-se pelo cunhado, como o marido desejaria. Convenceu-o a não gastar mais cinco réis que fosse do capital, Viveram bem; e ela, aos 88 anos, deixou uma fortuna razoável.5’
O tempo urgia, já a 9 de Agosto, de 1898, pouco menos de um mês do falecimento de José do Canto, Artur Hintze Ribeiro era o administrador geral e André Vaz o Procurador: ‘Doravante queira Vossa Excelência dirigir-se directamente ao Senhor Doutor Artur Hintze Ribeiro, nos negócios do casal indiviso, que ele administrador geral, devo acrescentar que para o desempenho deste cargo conto em muito e muito com a coadjuvação inteligente e zelosa de Vossa Excelência na administração dessa parte importante da sua casa, na união desejos que ambos nutrimos de elevar o seu rendimento ao seu mais alto grau que possa atingir.6’ André é também procurador do primo António do Canto Brum.7 
Aliás, podemos recuar a 2 de Agosto de 1898. Artur já era administrador antes de 9, com chá pronto para ser exportado, ocupara-se das exportações do sogro ainda em vida dele, o vendedor do Porto, José Bernardo Carlos das Neves, escreve-lhe a dar conta do chá enviado para o Porto: ‘(…) Caixas 791-794, da colheita de 1896, peso líquido, 55, 390, importância 59, 334 réis.8’ Portanto, ainda decorriam os trâmites legais para a conferência de Herdeiros e Artur desempenhava a sua função. Se não já antes mesmo: pelo menos em Janeiro de 1898.
A 9 de Outubro de 1898, o Procurador da cabeça de Casal, Artur Hintze Ribeiro, que está em S. Miguel, como zeloso e prudente administrador, Margarida está também, quer saber preços de chá praticados na Ilha do Faial e escreve a Carlos Serpa: ‘Tendo-se subido o preço do chá, que é remetido para toda a parte, para 2.000 réis insulanos ou 1.600 réis fortes, que é o corrente no consumo de retalho desta Ilha, sirva-se V. Ex.ª dizer-me se por esse preço o quererão comprar aí, porque não convém fazer (fl.1v.) despesas de transporte senão no caso de haver todas as probabilidades de liquidação daquele artigo pelo novo preço de 2.000 réis.’9

 1Pacheco, Eugénio, José do Canto, cf. BPARPD, O Preto no Branco, Ponta Delgada, 14 de Julho de 1898, p. 1.
  2Carta de João Carreiro, Porto Formoso, a Artur Hintze Ribeiro, 24 de Janeiro de 1898, cf. PT/UACSD/FAM-ABS-JC/Documentação não tratada, Cx. 265.
 3Ataíde, Maria da Graça, Uma vida qualquer: Quando o tempo era rio, vol. I, Editora Pax, Braga, 1981, p. 59.
  4Ataíde, Maria da Graça, Uma vida qualquer: Quando o tempo era rio, vol. I, Editora Pax, Braga, 1981, p. 60.
  5Ataíde, Maria da Graça, Uma vida qualquer: Quando o tempo era rio, vol. I, Editora Pax, Braga, 1981, p. 60.
  6Carta de André Vaz Pacheco de Castro, a Carlos Maria Serpa, Horta, 9 de Agosto de 1898, UACSD/FAM-ABS-JC/Documentação não tratada/Cx. 82.
  7Carta de André Vaz Pacheco de Castro, [à prima Genoveva das Mercês Carvalhal 1846 – 1918?], [Angra] 9 de Agosto de 1898, UACSD/FAM-ABS-JC/Documentação não tratada/Cx. 82.
  8[Nota de 6 caixas de chá remetidas ao Excelentíssimo Senhor José Bernardo Carlos das Neves, da cidade do Porto, em Abril de 1898] Carta de José Bernardo Carlos das Neves a Artur Hintze Ribeiro, Porto, 2 de Agosto de 1898, cf. UACSD/FAM-ABS-JC/Documentação não tratada/cx. 290.
9Carta de Artur Hintze Ribeiro, Ponta Delgada, a Carlos Maria Serpa, Horta, 9 de Outubro de 1898, cf. UACSD/FAM-ABS-JC/Documentação não tratada, Cx. 225.