
Começo por expressar a minha imensa satisfação por ter aqui o papel de apresentador de Ernest Moniz a convite do Embaixador Pedro Catarino, Representante da República para a Região Autónoma dos Açores e, também a seu pedido, contextualizá-la no panorama atual da comunidade luso-americana. O Senhor Embaixador referiu as dificuldades da vida que obrigaram tantos açorianos a deixar os Açores nas décadas de sessenta e setenta do século passado e por isso me parece oportuno lembrar que, na sua grande maioria, a comunidade açoriana está muito bem, todavia teve de lutar muito por isso. Recordo, a propósito, o dito daquele emigrante: Antes de emigrar pensava que as estradas da América eram pavimentadas de ouro. Quando cá cheguei, descobri que não eram e verifiquei que muitas estavam esburacadas. O pior foi quando apercebi-me de que eu é que ia ter de pavimentá-las.
Graças a essa emigração em massa, hoje as nossas ilhas dos Açores são uma realidade bem mais vasta do que a nossa geografia indica, pois a décima delas, no continente americano, é uma extensão do arquipélago, e a presença do Professor Ernest Moniz hoje entre nós só confirma essa realidade. Por vezes demasiado voltados para si próprios, os Açores nem sempre se apercebem dessa sua bem mais alargada dimensão. Um dia, por ocasião de uma visita aos EUA de Vasco Cordeiro, então Presidente desta Região Autónoma, o Embaixador Nuno Brito, ao tempo representante de Portugal em Washington, DC, ofereceu um jantar na sua residência a uma dezena de açorianos e açor-americanos particularmente bem sucedidos nas mais diversas áreas profissionais. Num tom combinando espanto e orgulho, dizia-me que sentia respirar à volta daquela mesa um impressionante conjunto de brain and power. Entre os comensais estavam o prémio Nobel da Medicina, o açoriano Craig DeMello, e o então Secretário de Estado da Energia do Governo de Obama (em linguagem portuguesa: ministro) Ernest Moniz.
Atualmente nos Estados Unidos há filhos e netos de portugueses espalhados pelo país a desempenhar papéis de relevo em todas as áreas. O Presidente Obama tinha quatro luso-americanos na Casa Branca, por sinal todos açorianos e do Sudeste de Massachusetts, o triângulo Fall River, Taunton e New Bedford. Eram eles: Ernest Moniz; Evan Medeiros, Conselheiro do Presidente para Assuntos Asiáticos e hoje Catedrático na School of Foreign Service da Georgetown University; David Simas, Diretor de Assuntos Políticos e atualmente CEO da Barak Obama Fiundation; e Pete Souza, o fotógrafo oficial de Obama. Quando um dia um português mencionou esse pormenor a Obama, ele corrigiu: São cinco. Tenho um Portuguese waterdog. Era o seu cão.
Com o rolar dos anos, o processo de integração das comunidades luso-americanas tem-se intensificado. Ainda anteontem me contatou uma jornalista da National Public Radio a solicitar-me uma entrevista sobre as celebrações do Dia de Portugal nos EUA. Queria que lhe desse em traços gerais a história da presença portuguesa naquele país. Entre outras perguntas, pedia-me que comentasse a importância de a cidade de Providence ter dado o nome Portugal Way a uma rua, a ser inaugurada hoje. Respondi-lhe que não se tratava de nenhum gesto grandioso, todavia era simbólico da integração da comunidade no universo americano. No entanto há mais: ao mesmo tempo que essa integração ocorre, a ligação desta comunidade a Portugal não só não tem enfraquecido como se tem intensificado. Portugal tornou-se atraente para a nova geração luso-americana.
E não só. Poderia contar-vos muitas e interessantes histórias de filhos de emigrantes que fizeram a sua vida profissional afastados da comunidade portuguesa, mas que agora, na sua aposentação, se mostram verdadeiramente interessados em conhecer mais sobre as suas raízes, sobre a cultura dos seus antepassados. E mesmo os americanos sem qualquer ascendência lusa de repente acordaram para o muito que Portugal tem para oferecer. Recentemente, a comunicação social portuguesa noticiou que os americanos constituem o maior grupo de visitantes estrangeiros no nosso país.
Voltemos, porém, ao nosso orador convidado. Antes dele, só Tony Coelho, congressista pela Califórnia que na década de 80 foi “House Majority Whip”, havia ido longe na estrutura política norte-americana. Depois dele, Ernest Moniz chegou a Secretário da Energia, entre 2013 e 2017. No seu historial de conseguimentos, conta-se um papel primordial na segurança nuclear e estabilidade estratégica, bem como na inovação em tecnologia energética e no desenvolvimento de capacidades de ponta para a comunidade de investigação científica americana. Fortaleceu a parceria estratégica do Departamento de Energia (DOE) com os seus dezassete laboratórios nacionais e com o Departamento de Defesa e, ainda, com a mais vasta rede de instituições nacionais de segurança nacional. Entre os seus triunfos mais específicos, importa mencionar a produção de propostas de política energética que atraíram apoio bipartidário. Deve-se-lhe, além disso, a implementação de legislação liderando uma iniciativa internacional, que colocou a ciência energética e a inovação tecnológica no centro da resposta global à mudança climática, e também a negociação do histórico acordo nuclear com o Irão.
Abro um parênteses para contar uma petite-histoire a propósito deste famoso acordo ouvida ao Professor Ernest Moniz numa conferência que fez há alguns anos na Brown e a que tive o gosto de assistir. Quando no período de perguntas e respostas um aluno inquiriu sobre a composição da equipa científica que o acompanhava, respondeu que tinha os sete principais laboratórios de Energia Nuclear dos EUA em contacto directo consigo e, porque as negociações decorreram na Suíça e em Viena, favorecia-o a vantagem de seis horas em relação à Costa Leste dos EUA, e nove à Califórnia, benefício de que os iranianos não dispunham. Assim, toda a documentação levada para as reuniões havia já sido partilhada com os laboratórios e analisada ao mínimo pormenor. Quando ele chegava à mesa das negociações, já podia aproveitar do imenso trabalho realizado durante a tarde e noite pelas equipas de apoio nos EUA.
Ernest Moniz havia já antes servido no governo de Bill Clinton como Subsecretário do Departamento de Energia, entre 1997 e 2001, tendo também desempenhado outros cargos de responsabilidade nacional e internacional nos domínios da ciência, energia e segurança nuclear, de 1995 a 1997, como Diretor Associado de Ciência no Gabinete de Política de Ciência e Tecnologia. De 2009 a 2013 foi membro do Conselho Presidencial de Assessores em Ciência e Tecnologia e do Comité Consultivo de Redução de Ameaças de Defesa. Foi também membro da Comissão Blue Ribbon sobre o Futuro Nuclear dos EUA, como conselheiro do Presidente e do Secretário de Energia sobre a gestão de resíduos nucleares.
Neto de emigrantes açorianos de S. Miguel, nasceu em Fall River, Massachusetts em 1944 e viveu naquela cidade até completar o liceu no Fall River Durfee High School (mesmo defronte da casa que uma década mais tarde seria dos meus pais e onde eu próprio vivi dois anos. Aposto que ele se terá sentado muitas vezes nos degraus da entrada dessa casa, a 291 High Street, como a arruaceira rapaziada diariamente fazia então). Nesse mesmo liceu já se formara o emigrante Humberto Medeiros, mais tarde cardeal de Boston. Quando aluno do Durfee High School, Ernest Moniz fora eleito para a National Honor Society e presidente do Club de Matemática. De seguida, licenciou-se, summa cum laude, no Boston College, vindo a obter os graus de mestrado e doutor em Física Teórica na Stanford University, após o que passou de imediato a integrar o corpo docente do Massachusetts Institute of Technology, onde durante vários anos foi diretor do Departamento de Física e do Centro Bates Linear Accelerator. Dirigiu ainda o Conselho de Investigação Científica do mesmo MIT.
A propósito de Física Nuclear, não resisto a repetir aqui uma piada que se contava nos anos 60: adeptos fervorosos de Salazar queriam nomeá-lo para Prémio Nobel da Física. Da composição do átomo já eram conhecidos o positrão, o eletrão e o neutrão, mas Salazar tinha descoberto o pelintrão. E o que era o pelintrão? Era energia sem massa.
Também no MIT, Ernest Moniz foi Diretor Fundador da MIT Energy Initiative (MITEI) e Diretor do Laboratório de Energia e Meio Ambiente. Sob a sua liderança, o MITEI cresceu para envolver mais de um quarto do corpo docente de todo o Instituto, tendo lançado programas educacionais no domínio da energia e estabelecido novos modelos para o envolvimento do corpo docente na indústria. Desde 2001, o seu principal foco de pesquisa tem sido as políticas de tecnologia energética. Desempenhou papel fundamental nos estudos interdisciplinares de políticas de tecnologia do MIT, bem como na prossecução de caminhos para um mundo de baixo carbono. Esses estudos tiveram impacto significativo nas atuais políticas e programas de energia.
Presentemente, Ernest Moniz é o Cecil e Ida Green Professor Emérito de Física e Sistemas de Engenharia, além de consultor especial do Presidente do MIT. É também co-presidente do Conselho de Administração e CEO da Nuclear Threat Initiative, uma organização sem fins lucrativos que desenvolveu soluções inovadoras para segurança de materiais nucleares, incrementando a cooperação internacional para desarmamento nuclear e não-proliferação, evitando a propagação de doenças e reduzindo ameaças radiológicas. É o primeiro Distinguished Fellow do Emerson Collective e CEO da organização sem fins lucrativos Energy Futures Initiative - que ele e dois colegas fundaram em 2017 com o objetivo de promover e ajudar a implementar políticas socialmente responsáveis para acelerar a transição para uma energia limpa.
O Prof. Ernest Moniz é membro do Conselho de Relações Internacionais e do Conselho Consultivo Internacional do Atlantic Council tendo recebido, em 1998, o Prémio de Reconhecimento da Indústria Seymour Cray HPCC pelas suas visão e liderança no avanço da simulação científica. Recebeu as medalhas de distinto serviço público dos Departamentos da Defesa e da Marinha. Foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Makarios III (Chipre), a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Portugal) e o Grão-Cordão da Ordem do Sol Nascente (Japão). Outras formas de reconhecimento de que foi alvo incluem o Charles Percy Award da Alliance to Save Energy, o Right Stuff Award da Blue-Green Alliance Foundation, o Franklin D. Roosevelt Distinguished Public Service Award, o Neustadt Award da Harvard Kennedy School. É membro da American Physics Society, da American Association for the Advancement of Science, da Fundação Humboldt, da American Academy of Arts and Sciences e da American Philosophical Society.
Com o doutoramento Honoris Causa ontem atribuído pela Universidade dos Açores, o número de doutoramentos honorários por ele recebido ascendeu a 13 - outorgados por universidades que vão da Universidade de Atenas e a Universidade de Erlangen-Nurenberg à Boston University e à Universidade Pontifícia de Comillas, Espanha.
Como se esta longa lista de realizações e reconhecimentos não bastasse, o Professor Ernest Moniz foi membro do Conselho de Administração de empresas privadas e de capital aberto nos setores de energia e segurança, bem como nos conselhos de várias organizações sem fins lucrativos do setor de energia, tendo ainda servido como consultor de alto nível em várias empresas relacionadas com energia.
A acompanhá-lo nesta viagem aos Açores, está também entre nós a sua esposa Naomi (minha amiga e colega, pois lecionou durante décadas em Harvard, e na Georgetown University, em Washington). Casados há cinco décadas – celebraram precisamente ontem as suas Bodas de Ouro -, merecem um prémio de longevidade matrimonial. Nos dias de hoje, é mesmo caso de figurarem num museu. É outro palmarés no currículo do Prof. Ernest Moniz. Acompanham-nos a sua filha Katya e os netos Alex e Eve.
Fui demasiado longo, mas espero concordem comigo ter disso culpa o nosso convidado de honra, o Professor Ernest Moniz, abusador de tantos feitos e sucessos.
**Discurso proferido nas Comemorações do Dia de Portugal em Angra do Heroísmo, em 10 de junho.
