O JL poderá não parecer a publicação mais apropriada para o tema desta crónica descaradamente política. Todavia é de valores que ela sobretudo se ocupará, mais precisamente da defesa dos valores clássicos que o estado moderno tem procurado manter, visto o pensamento filosófico da modernidade ter amplamente demonstrado serem eles fundamentais para a manutenção do equilíbrio social.
As eleições de novembro próximo nos EUA serão provavelmente as mais importantes do último século naquele país. As possíveis consequências para o mundo inteiro são também de uma seriedade incomensurável.
Porque desde há muito me assiste a preocupação da defesa dos valores da modernidade, venho a tal propósito apenas partilhar respigos de declarações de colaboradores de Donald Trump quando ocupou a Casa Branca. Todos republicanos portanto. Vários deles escreveram livros onde narram abertamente as suas experiências, e deles citarei uma ou outra afirmação. Noutros casos, recorro a declarações públicas, transcritas pela imprensa, todas igualmente de colaboradores do então Presidente Trump. São tantas e tão eloquentes que a minha dificuldade residiu apenas na seleção.
O Conselheiro Especial (Special Counsel) Jack Smith, que indiciou Trump em 91 crimes, tornou públicos dados dificilmente refutáveis, fornecidos pela própria equipa da Casa Branca (tudo figuras escolhidas por Trump). Num caso bem menos significativo, um júri unânime declarou Trump culpado em 34 crimes de falsificação de documentos. No entanto aí tratou-se de um grupo misto em termos de tendências políticas. Aqui, cingir-me-ei a testemunhos de republicanos.
A grande maioria das declarações abaixo listadas estão disponíveis na Internet. Basta ir ao Google e procurar nomes como Bill Barr, o ministro da Justiça (Attorney General) que definitivamente salvou o então Presidente americano de incriminação após a publicação do relatório sobre a intervenção da Rússia nas eleições de 2016. Agora é ouvi-lo avisar os eleitores dos perigos do regresso de Trump à Casa Branca, assinalando que num segundo mandato ele não teria de se preocupar com a opinião pública, e por isso seria um tal dar largas aos seus mais baixos instintos de que tão despudoradamente faz gala nas suas intervenções públicas. Barr não se coíbe agora de deixar claro: “Trump é uma criança de nove anos!”.
A lista de personagens antigos tumpistas e agora never trumpers é longa. Dela consta Stephanie Grisham, por exemplo, Diretora da Comunicação Social da Casa Branca (Press Secretary), que se demitiu em protesto contra o 6 de Janeiro. Numa entrevista à CNN fez afirmações deste teor:
“Trump sabe que está a mentir. Ele costumava dizer-me quando eu era Diretora da Comunicação: Vai lá e diz-lhes [aos jornalistas] isto e isto e eu lembrava-lhe que era falso mas ele reagia: Não importa. Diz e repete vezes sem conta que as pessoas acreditarão. Ele conhece a sua base e a base crê nele. Ele sabe que pode dizer o que quiser que ela não duvida. […] Eu sei que sabe que está a mentir. Estive próximo dele non-stop durante seis anos. Trump sabe que o que tem de fazer é dizer o que quiser porque as pessoas acreditam”.
A mesma Stephanie, declarando-se aterrorizada pela ideia de voltar a tê-lo como presidente, também afirmou noutras ocasiões: “Trump não foi feito para presidente”. “Ele é errático”, “sofre de delírios” e “é um narcisista que se importa acima de tudo consigo próprio”.
Mike Pence, Vice-Presidente do Governo Trump veio inúmeras vezes dar a cara em público na defesa do seu líder. Agora liberto das sua garras, referindo-se aos eventos de 6 de Janeiro de 2021, faz declarações deste tipo à CNN: “Essa foi uma rebelião que nunca deveria ter acontecido. […] Ela enfureceu-me. Lembro-me de pensar “Isto não, não aqui, no Capitólio dos EUA”.
Depois de agradecer ao FBI por ter levado e continuado a levar aos tribunais as pessoas envolvidas (neste momento há mais de 1000 na prisão), e depois de deasautorizar Trump declarando falsa a sua leitura do que se passou, afirmou sem qualquer rebuço: “Precisamos de nova liderança no Partido Republicano.”
De entre as muitas declarações de Pence, retiro mais esta: «Não podemos voltar a dar a Trump as chaves da Sala Oval. Não posso em boa consciência apoiar a sua candidatura.»
E quem mais de perto conheceu Trump em ação do que o seu Vice-Presidente?
Mas é só seguir os livros e as declarações públicas de outros colaboradores de Trump na comunicação social mais séria e respeitável, para constatar como continuam a revelar novos dados confirmando a caótica imagem hoje por demais conhecida.
Circula presentemente na Internet um anúncio publicitário da campanha de Trump onde é apresentado como o enviado de Deus. Se alguém argumentar não ser Trump diretamente responsável por isso, registe-se que ele próprio partilhou o vídeo nas suas redes. Aqui ficam algumas citações do sermão dum pastor evengélico nesse anúncio: “A 14 de junho de 1946 [data do nascimento de Donald Trump], Deus olhou para o seu planeado paraíso e disse: ‘Preciso de alguém para tomar conta disto,’ E então Deus deu-nos Trump” – diz o narrador. Surge depois uma montagem de imagens de Trump como se tratasse do Menino Jesus e terminando com a afirmação: “Deus disse: ‘Eu preciso de alguém disposto a levantar-se antes da aurora, a trabalhar o dia inteiro, a lutar contra os marxistas, a cear e depois ir para a Sala Oval e ficar lá até depois da meia-noite reunindo-se com o supra-sumo da nação’. E Deus criou Trump”. O anúncio só não explicita que a Sala Oval era o sofá onde Trump, segundo um grande número de colaboradores seus, passava o dia a ver a Fox News. Isso quando estava na Casa Branca. Porque estão também oficialmente registados os seus muitos e acrescentados dias passados a jogar golfe.
John Bolton, que foi Conselheiro de Trump para a Segurança Nacional e escreveu um livro de quase 600 páginas sobre a sua experiência no Governo Trump (The Room Where It Happened: A White House Memoir), declara-se desapontado com o facto de os críticos de Trump não estarem a ser bem sucedidos ao tentarem afetar a popularidade do ex-presidente: “Tantas coisas que pensei seriam claros argumentos contra Trump — o seu caráter… o que quiserem... têm provado ser insuficientes. Só me resta dizer que Trump não é uma pessoa apta para ser presidente.”
O General H. R. McMaster, outro seu Conselheiro para a Segurança Nacional, também autor de um livro, Battlegrounds: The Fight to Defend the Free World, afirma: “Será terrivelmente divisivo para o nosso país tê-lo outra vez como presidente.” Acusa-o de ser “fabricador sistemático de desinformação” e de “espalhar teorias conspirativas”. Acrescenta que Trump é um “exemplo de anti-líder” e “um desestabilizador do direito”.
Alyssa Farah Griffin, que desempenhou o mesmo cargo de Stephanie Grisham, foi perentória: “Trump é uma ameaça à democracia e nunca o apoiarei”.
Mark Esper, que foi Ministro da Defesa, também não tem papas na língua: “Podemos outra vez confiar a Trump segredos de estado? A resposta é NÃO! Os seus atos irresponsáveis colocam as nossas Forças Armadas em perigo e também a segurança nacional.” Outras afirmações de Esper: “Trump é uma ameaça à democracia”. “Pessoa sem princípios”, “mesquinho”, “perigoso” e dado a “completas fabricações”.
Jim Mattis, mais um ex-Ministro da Defesa, reitera: “Trump é uma ameaça à Constituição”; “fomentou a insurreição” do 6 de Janeiro.
John Kelly, Chefe de Pessoal de Trump, acusa: “Trump não faz ideia do que a América representa”; “ostenta desdém pelas nossas instituições democráticas, a nossa Constituição e o nosso Estado de direito”.
Mick Mulvaney, Chefe de Pessoal Interino, lembra: “Trump não soube ser Presidente quando precisávamos que o fosse”.
Mark Milley, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, adverte: “Nós não prestamos juramento diante de um rei, de uma rainha, de um tirano ou de um ditador. Juramos lealdade à Constituição, não a um aspirante a ditador.”
Cassidy Hutchison, Assistente de Mark Meadows, Chefe de Pessoal, acrescenta: “Trump é a mais grave ameaça à nossa democracia no nosso tempo e possivelmente em toda a história americana.”
Ty Cobb, Conselheiro Especial de Trump, vai ainda mais longe: “o ex-presidente tem um descontrolado desprezo pelas leis vigentes”; “os seus crimes, a sua conduta e a sua mera existência apressarão o desaparecimento da democracia”.
Liz Cheney, Congressista Republicana, alerta os eleitores: “Os EUA estão a caminhar sonâmbulos para a ditadura”.
Como prometido, tudo declarações de Republicanos e colaboradores, escolhidos a dedo por Trump para o seu Gabinete, que se pronunciaram depois dessa sua experiência direta com o ex-Presidente na Casa Branca.
Enough intitula um livro de Cassidy Hutchinson sobre Trump. Refiro-o aqui, de entre tantos possíveis, para poder encerrar esta crónica citando o título dessa obra: Basta! Enough is enough!