Uma tourada no Faial

 

Corria o mês de julho de 1971 e a notícia correu célere: a realização de uma tourada de praça na cratera da Quinta de São Lourenço, no fundo da qual havia sido improvisada uma “arena”, separada do público por uma engenhosa barreira de pranchões e bidões vazios amarrados com cabos.
“Toiros escolhidos a capricho, com ferro da ganadaria terceirense José Castro Parreira”, anunciava “O Telégrafo”, gerando grande expectativa numa ilha sem afición e sem qualquer tradição taurina.
Chegou o tão aguardado dia e uma multidão confluiu à aprazível Quinta de São Lourenço, lugar de eleição para o convívio e a confraternização social. As famílias espalhavam-se pela mata e escolhiam os melhores lugares para estender toalhas e, debaixo do frondoso arvoredo, faziam apetecíveis piqueniques. Muito farnel, muita bebida, muito churrasco fumegante. Risos, conversas sonoras e uma horda de gente despreocupada.
Tarde de sol aberto e, à volta do “redondel”, um cenário de cor, sons e cheiros. Bancadas (feitas de tábuas de madeira) apinhadas de um público cético e curioso. Um paso-doble tocado por uma charanga improvisada. Cortesias. Toureiros aperaltados. Forcados a preceito. A festa ia começar!
Abre-se a porta do touril e irrompe um toiro, de pelagem preta, imponente e bem armado que não defraudou as expectativas, permitindo uma boa lide ao toureiro (que logrou ferros de muito mérito) e uma pega à primeira por parte dos bravos forcados.
 Para deceção de muitos, o segundo toiro, de pelagem acastanhada, saiu manso, mas teve a força e a agilidade para galgar os bidões e aparecer de repente no meio da multidão… 
Seguiu-se o pânico e o pandemónio e o alarido e a debandada em todas as direções. Gritos, correrias e era um ver se te avias. O animal, indeciso e atordoado pela vozearia, fugiu, espavorido, pela mata fora…
As pessoas desataram a correr para a estrada. Na precipitada fuga, muitos homens caíram, esfolaram mãos e joelhos. A histeria apossou-se das mulheres a gritar pelos filhos que na mata brincavam alegremente. 
O público que se encontrava na praça é que não arredava pé. Bilhetes pagos, todos aguardavam poder assistir ao resto da faena. Mas, literalmente, esperaram sentados… As atenções estavam agora todas viradas para pânico gerado “lá fora” com o bovino tresmalhado…
Subitamente a mata ficara despovoada. As pessoas, aliviadas pelo susto, recolheram a suas casas. A tourada redundara num colossal fiasco.
Passaram-se algumas horas e foram baldadas as sucessivas tentativas de apanhar o toiro que se foi refugiar no lado oposto da mata.
Por fim, foi o próprio ganadero e dois dos seus pastores que lá conseguiram enlaçar o toiro com uma corda e recolhê-lo à gaiola. 
Era já o fim da tarde. E com ela foi o fim da festa brava na ilha do Faial.