As férias de Verão

 

Estamos em julho, o Verão começou, e a maioria das pessoas já sonha com as férias. Quem tem o mar por perto vai aproveitando os fins de semana, apesar dos previsíveis engarramentos de trânsito na ida e no regresso, e da quantidade de gente que sabe ir encontrar nas praias. Estes incómodos certos não afugentam os sonhos que ajudam a passar a semana de trabalho ou de estudo: os estudantes estão no terminus do ano letivo.
Entre os alunos do secundário, há os que, olhando para o Verão, só pensam nas férias, mas os que terminam o 12º, para além de aprovar a todas as disciplinas, têm outras preocupações, eles e os pais; pelo menos muitos deles têm um Excel com as classificações que vão saindo, tal é a preocupação com as médias. Todos sabem que uma décima a mais ou a menos pode ter grande impacto no resto das suas vidas. Nesta linha de preocupações, o preenchimento da documentação para concorrer ao ensino superior já está presente e, embora a data da publicação das listas das colocações esteja ainda longe, já há quem sinta borboletas no estômago e vá fazendo a pergunta: “o que é que me vai sair na rifa?” 
A ida para a universidade é um dos passos com maior impacto na vida de uma pessoa e, felizmente, esse passo é dado por um número cada vez maior de jovens. Muitos deles sairão pela primeira vez da casa dos pais e instalar-se-ão numa localidade diferente daquela em que até então viveram. No Continente, um bom número deixará o interior do país a caminho da beira-mar, onde se localizam várias das universidades. Nos Açores, alguns mudarão de ilha e um bom número partirá para o Continente onde muitos acabarão por ficar, tal como acontece com os continentais do interior que foram estudar para a faixa ocidental do retângulo: raros são os que regressam às terras de origem. Vivo numa cidade, Braga, que é um exemplo disso mesmo: a quantidade de transmontanos que veio estudar para a Universidade Católica ou para a Universidade do Minho e por cá ficou é significativa. Há uns anos, entrei, num domingo na igreja da minha paróquia e, olhando à volta, quase não via caras conhecidas. Às tantas, passou perto do banco em que estava sentado o meu amigo e colega de Faculdade José Machado, um transmontano, que eu nunca tinha encontrado naquela igreja. Dei-lhe sinal e ele aproximou-se. Perguntei-lhe o que é que ele fazia ali. Resposta: “hoje é o dia da casa de Trás-os-Montes em Braga e a missa é aqui”. Foi a confirmação do que eu sabia há anos: a comunidade de transmontanos a viver em Braga é bem numerosa: vieram os filhos para cá estudar e muitos pais, mais cedo ou mais tarde, vieram atrás. A ida dos filhos para a universidade é um acontecimento importantíssimo numa família. Numa fase da minha vida, tinha um filho no Técnico, em Lisboa; outro na Católica, no Porto, e um terceiro, no Campus da Universidade do Minho, em Guimarães; era o único que vivia connosco. Neste momento, quantas famílias com filhos a entrar no ensino superior este ano se vêem confrontadas com situações difíceis de resolver, sendo uma delas a questão do alojamento; a imprensa tem dado eco das dificuldades. O aluguer dos quartos atinge montantes consideráveis, principalmente se atendermos aos baixos salários bastante generalizados no país, e as políticas públicas para o setor estão atrasadíssimas. Em 1984, há quarenta anos, fui para Louvain-la-Neuve, na Bélgica, estudar. Antes de lá chegar, já tinha informação sobre alojamentos para estudantes, uns da própria universidade e outros de investidores privados. Já naquela altura na Bélgica não existia o problema do alojamento para universitários. Ora, no nosso país, ainda há bem pouco tempo, o número de residências universitárias era, e ainda é, exíguo.
Quem não é afetado pela entrada de familiares na universidade também sonha com o verão e vai fazendo planos. Anualmente a comunicação social sublinha o número considerável de portugueses que diz não ter condições económicas para fazer férias, mas outros não só as sonham como as fazem. De facto, no contexto em que vivemos uma pausa de vários dias na atividade profissional é, efetivamente, indispensável; os ritmos de trabalho dos tempos que correm tornam-nas imprescindíveis para recuperar forças. 
Um bom número de portugueses veraneia junto ao mar; outros aproveitam para viajar, recorrendo aos pacotes preparados por grandes operadores turísticos. Quer as férias de praia quer as viagens são interessantes, embora suscitem várias críticas que se podem resumir a esta: numas e noutras estamos perante turismo de massas, com imensa gente por todo o lado: são filas para o pequeno almoço, para fazer compras no supermercado, para ir ao restaurante; as esplanadas estão repletas e quase não há estacionamentos disponíveis para os carros. Uma boa parte das pessoas que fazem férias deste género regressa a casa mais cansada do que quando partiu.
Conheço, contudo, férias diferentes daquelas a que até agora me referi. Tenho um casal amigo, uma amizade com mais de 50 anos, que há bastante tempo tem, numa boa parte do verão, de meados de julho até fins de agosto, uma vida muito diferente. Vivem numa vila do interior; os filhos foram estudar para outras regiões do país e por lá casaram e estabeleceram residência; vieram os filhos.  Como, devido às profissões, a organização da vida no verão não é fácil, nas férias grandes levam os miúdos a casa dos avós. É por isso que estes meus amigos costumam dizer que a meados de julho “abrem a creche” – agora, devido à idade de alguns dos netos, talvez já se poderá dizer, com mais propriedade, que “abrem a creche e o campo de férias” - e ficam com a casa cheia até os netos regressarem aos pais, no fim de agosto. Por aquilo que contam, são dias cheios e variados, onde acontece de tudo, mesmo percalços, felizmente sem grande gravidade. São dias felicíssimos, sublinham, embora cansativos. Chegado o fim de agosto, e regressando, de alguma maneira, ao ponto de partida de há 50 anos, em que eram apenas os dois em casa, aproveitam para dar umas voltas, recordar o tempo em que tiveram netos em casa e a fazer contas ao tempo que falta para chegar o verão do ano seguinte. 
Entretanto, digo eu, o tempo vai passando, os netos vão crescendo e virá o tempo de irem para a universidade. Os avós vão somando anos e a força necessária para tratar de netos vai minguando: a vida vai caminhando para o seu termo. E então os mais meditabundos, os mais dados à reflexão, ao questionamento, à filosofia, vão se deparando com a pergunta de fundo: o que é que tenho andado a fazer neste mundo? Que sentido tem tudo isto? Toda a correria que a vida é? Terá sentido? Fará sentido? 
Pessoalmente inclino-me a pensar que a vida tem sentido, a vida faz sentido. Tem de o ter, quanto mais não seja porque esta ânsia de sentido que nos habita não pode ter como termo o vazio. Contudo, todas as respostas que vamos encontrando estão acompanhadas pela dúvida, o que, pensando bem, é natural: como pode um ser finito como o ser humano, encontrar uma resposta total e absoluta para a vida?