Implicações da distinção entre trabalho e emprego

 

Os termos «trabalho» e «emprego» são frequentemente usados de modo indistinto. Contudo, estas palavras expressam conceitos diferentes dependendo das circunstâncias. Entende-se por «trabalho» qualquer atividade intencional, intelectual ou manual, que uma pessoa realiza, remunerada ou não. O trabalho inclui atividades caseiras, voluntariado, estudos, ou qualquer outra ocupação que requer esforço físico ou mental, e ainda habilidades que exigem ambos os tipos. «Emprego» refere-se a uma forma específica de trabalho quando existe um acordo, escrito ou oral, entre o empregado e a entidade patronal. Pode-se concetualizar trabalho sem emprego, mas não o emprego sem trabalho.
Num contexto histórico, a atividade doméstica atribuída às mulheres não se tem restringido ao cuidado dos filhos. Em zonas rurais, além destas funções, a esposa também ajuda no amanho das terras e no trato de animais domésticos que são muitas vezes o sustentáculo da pequena propriedade agrícola.
As mulheres neste século excelem nas mais variadas ocupações que eram antes reservadas aos homens. Mas nas tarefas caseiras como o arranjo e a administração da casa, o seu trabalho permanece invisível porque, frequentemente, as consideram «não laborais» por não envolverem compensação pecuniária. Visto por um prisma limitado na perceção cultural, esta incongruência resultou em desigualdades de género no mercado de trabalho e na sociedade.
A subvalorização do trabalho doméstico leva à falta de apoio e de recursos para quem o faz, produzindo desigualdades sociais e económicas. Nos países sem programas universais para a manutenção da saúde pública, por exemplo, as consequências da falta de assistência médica revelam-se na morte precoce e graves complicações patológicas. Portugal neste aspeto oferece condições superiores e mais justas que os Estados Unidos da América (EUA), o país mais rico e com a maior economia mundial. A longevidade feminina em Portugal é de cerca de 83,5 anos, comparável aos números referentes à União Europeia (EU). Nos EUA, a mulher vive, aproximadamente 79,3 anos. Em 2023, pouco mais de 30% das portuguesas casadas ficavam em casa, mais ou menos a percentagem que se verifica na EU. (Não encontrei estes dados referentes aos Açores, mas calcula-se que a estatística atual é mais elevada que a média nacional.)
Este assunto continua pertinente nos nossos dias, como quando dele se ocupou nos anos de 1950 o economista John Kenneth Galbraith (1908- 2006). Galbraith enfatizou na sua obra The Affluent Society (1958), A Sociedade Afluente*, que o trabalho não remunerado não é apenas um fator económico, reconhecendo que todas as formas de trabalho em termos culturais e sociais concorrem para o bem-estar da sociedade. Paralelizou, assim, a cognição teórica de Phyllis Deane (1918-2012), historiadora da economia. Na década de 1940, Deane argumentou que o trabalho doméstico não remunerado deveria ser incluído nos cálculos do Produto Interno Bruto (PIB), pois era uma parte significativa da produção económica, especialmente nas áreas rurais. Por sua vez, Riade Eisler, no livro «A verdadeira riqueza das nações» *, The Real Wealth of Nations (2022) relevou que o trabalho sem remuneração assume uma importância irrefutável nas economias, ainda que seja omitido.
A ótica conservadora tende a dar valor apenas a quem tem emprego, postergando a valorização do trabalho doméstico que Deane e Eisler realçaram. Reputadas feministas, ambas expressaram a perceção progressista que sem o trabalho não remunerado os sistemas económicos cairiam no colapso. Isto levanta questões, por exemplo, sobre como as sociedades definem trabalho «produtivo» e quem se beneficia de tais definições. Mesmo nas economias modernas, onde a participação das mulheres empregadas aumentou significativamente, muitas continuam a assumir uma parte desproporcionada das responsabilidades domésticas não remuneradas. As sociólogas Arlie Hochschild e Anne Machung, no volume «O segundo turno» *, The Second Shift (1989), salientaram que as normas sobre trabalho e género permanecem profundamente enraizadas e injustas. Em coautoria, as duas investigadoras estudaram o duplo fardo enfrentado pelas mulheres empregadas que ao fim do dia regressam a casa para um «segundo turno» de tarefas domésticas e cuidados com os filhos.
Numa perspetiva psicológica, a depreciação do trabalho de mães e donas de casa nas normas culturais e na economia tem por vezes profundas consequências em termos da saúde mental e das dinâmicas da família. Estas mulheres muitas vezes sentem que o seu trabalho não é importante, o que pode impactar a autoestima e sentimentos de inadequação. A falta de reconhecimento e de apoio é suscetível de aumentar os níveis de estresse e ansiedade, especialmente quando as responsabilidades domésticas são adicionais às obrigações profissionais. Os casos de depressão clínica não são raros. Estas situações produzem desigualdades nas responsabilidades domésticas entre os membros da família e a probabilidade de conflito.
Destacando a importância de reconhecer e valorizar o trabalho doméstico promove um ambiente familiar mais saudável e equilibrado.

 

*Tradução do autor.