Dormir para carregar as baterias

 

Somos mais que a soma da entidade biológica que constituímos. No binómio conceptual do cérebro e da mente a integração transcende a realidade de que nos apercebemos. 
Neste contexto, em linguagem figurativa, mesmo dormindo as células cerebrais produzem a sua música a cujo ritmo bailamos — sem ouvi-la. É um processo de regeneração, durante o qual se “carregam as baterias”. A maioria das células não existe isolada. Comunica entre si, de maneira a receber e processar informações essenciais para a variedade de operações biológicas em que se envolvem. 
Alguns autores usam o termo “sono” para descrever um estado de consciência limitada, em que a postura adequada e a aptidão de resposta podem ser reativadas de imediato. O organismo necessita de repouso adequado para sobreviver, sobretudo depois de um período de atividade fisicamente extenuante. 
O cansaço mental, frequentemente, não é menos exigente. Em média, passamos um terço da vida dormindo. Assim os processos inerentes à dimensão fisiológica do inconsciente psicanalítico renovam a funcionalidade do gestalt orgânico. 
Sem dormir, as funções cognitivas fragmentam-se em rápida sequência de deterioração afetando a atenção, a memória, a concentração, a perceção, o tempo de reação motora, a velocidade no processamento mental e outros constituidores do processo de raciocínio. A privação do sono, definida como a ausência de dormir, atua sobre a consciência, perturba a personalidade e reduz a aprendizagem. É uma variável interveniente nas causas de problemas cardíacos, e dificuldades psicológicas. Durante a Segunda Guerra Mundial, na década de 40 do século XX, psicólogos da Força Aérea dos Estados Unidos confirmaram em termos científicos a suspeita de que a sonolência representava um fator repetitivo no insucesso ocasional de missões importantes e difíceis.
 Supõe-se que todos os animais dormem, com diferenças óbvias entre as espécies. Os morcegos fazem-no, literalmente, “de pernas para o ar”. Os cachalotes tomam uma posição perpendicular em relação à superfície do mar e assim ficam até que se torna necessário tomar fôlego. Os peixes também têm as suas maneiras peculiares. Alguns escondem-se entre as algas, onde se quedam e submetem ao sono. Há os que escondem os filhos na boca para os proteger enquanto se imobilizam de olhos abertos (por não terem pálpebras).
Ao dormir, o organismo não imerge num vácuo da consciência, alheio por completo ao ambiente que o rodeia. Shakespeare chamou-lhe um estado de morte. Mas é uma situação em que o cérebro não pára, silencioso no exterior, enquanto no interior do crânio há uma eufonia incessante como se os neurónios em uníssono participem numa orquestra misteriosa. 
Nos primeiros anos de 2000, Hans-Hermann Gerdes, um biólogo norueguês da Universidade de Bergen, fez uma importante descoberta numa tina de vidro onde mantinha uma cultura de células renais. A investigação daquele cientista revelou um tipo de comunicação através de “nanotubos membranosos” ou “tubos de tunelamento”. Desde então, o que se sabia sobre a vida da célula regressou ao preâmbulo. Averiguou-se, entre outras descobertas posteriores promovidas pela investigação citológica, que células cerebrais também conversam através daquelas estruturas. Há apenas algumas semanas descobriram-se dezenas de células no cérebro, cuja existência se desconhecia.
Os princípios da comunicação envolvendo as dendrites, por exemplo, não serão abandonados. Foram acrescidos no conhecimento que já existia. Iniciou-se uma época promissora de inovações fantásticas na biologia e medicina. Mas em termos metafóricos da orquestra cerebral, os tubos poderão ter uma função mais do que simbólica nas canções sinápticas do inconsciente.
Há algumas décadas, uma equipa experimental de biólogos da Universidade da Pensilvânia notou que as sinapses de adultos enfraquecem durante o sono. De maneira que os vínculos entre os neurónios sofrem alterações salientes. Aqui se efetua o esquecimento ou a degradação de proteínas e circuitos de ligação inerentes aos processos do sistema relativo ao hipocampo. Após esta função de limpeza e preparação para as tarefas do dia seguinte, porém, a informação desvanecida na noite anterior reconstitui-se segundo a sua importância para o organismo. Por isso a repetição ajuda a aprendizagem. 
Operando numa mulher na década de 1970, um neurocirurgião da Universidade McGill, no Canadá, observou que um elétrodo ao atravessar áreas diferentes do cérebro lhe eliciava reminiscências de muitos anos. Continham todos os detalhes e a emoção originais. A hipnose já aventara esta hipótese de que as memórias não são totalmente sumidas, mas arquivadas fora da consciência, como Sigmund Freud preconizara.
No labirinto das estruturas intracranianas, a vida secreta das células determina o que somos. Em parte, a saúde e performance de cada indivíduo depende da qualidade e consistência de uma boa soneca.