Manual de sobrevivência de um escritor ou o pouco que sei sobre aquilo que faço, de João Tordo: se te batem à porta, deixa entrar!

 

No verão de 2020,  fui sendo acompanhado pelo Tordo. Estou em falta com ele, pois não tenho conseguido igualar em leitura o seu ritmo de edição. Lá chegarei… Contrariamente a uma das minhas manias de leitor – a de ler por ordem cronológica de publicação os livros dos meus escritores favoritos (no fundo, para apreciar a evolução da sua escrita) –, falhei o último volume da trilogia (João, vê só como estou atrasadito!) e mergulhei na tinta derramada da capa de Manual de sobrevivência de um escritor.
Entre esse mergulho e os que dei no mar dos Açores (que, talvez por necessidade minha de sorver o verão, souberam a gin tónico), fui descobrindo um novo João Tordo, com quem me zango ao ler, no resto do título, ou o pouco que sei sobre aquilo que faço. É que se o João não sabe o que faz como escritor, vou ali e já venho… Tudo o que escreve sobre a sua escrita é fruto da maturidade como escritor, mas sobretudo como homem. Um homem consciente do que foi preciso para chegar onde chegou. Um homem com a noção de que ter lido muito e ter começado cedo a escrevinhar lhe deram sustentabilidade para a redação. Um homem que absorve a realidade que o circunda e a ficciona para refletir sobre os problemas do mundo e até sobre os seus, para se conhecer. Um homem ciente das dificuldades, dos anseios, das alegrias, do júbilo de escrever um livro. 
A minha curiosidade para com este livro vinha da ideia de que, como escrevo esta rubrica, talvez tirasse lições sobre técnica de escrita e eventualmente de escrita para a imprensa. Mas este Manual vai mais longe do que isso. Ele serve-nos, a nós leitores, para concretizarmos a ideia de que pela escrita o escritor escreve para nós, é certo, mas também, e sobretudo, escreve para si, para ir ao mais profundo do seu ser e, assim, reconhecer-se (ou nem por isso…). 
O que mais me emociona neste livro é exatamente o escritor desnudar-se como pessoa. Confessa a sua necessidade de sobreviver através da escrita, estando sempre atento aos lucros decorrentes da maior ou menor venda dos livros que publica, procurando, em momentos em que as vendas não estão de feição, formas alternativas de financiamento relacionadas com os livros e a literatura. Alerta, portanto, para a ansiedade da escrita e para a ansiedade de se viver da escrita; faz tomar consciência de riscos de evasão à árdua tarefa de escrever (conta, por exemplo, como o álcool marcou uma sua fase de escrita); avisa sobre as várias vezes em que um escritor se sente um fracasso, mas também sobre aquelas em que o sucesso é quase orgásmico; ensina a relativizar uma crítica literária, a focar no tédio para alcançar objetivos; prova que a inspiração se trabalha, não é uma dádiva divina, e que o importante é e sempre será nunca desistir.
Manual de sobrevivência de um escritor ou o pouco que sei sobre aquilo que faço é um hino à capacidade do escritor de ser homem e de ser humano, à coragem de enfrentar o leitor e de lhe dizer “Eu sou como tu.” Este livro, o mais claramente intimista que já redigiu, traz-me um João Tordo real, acessível, sensível e, sobretudo, ou talvez por isso, palpável, despido da aura misteriosa dos seres inalcançáveis. É uma aproximação sincera do escritor aos seus leitores e, parece-me, uma aceitação de si perante os outros, mas principalmente perante si próprio.
João, já tinhas batido à minha porta; já te tinha deixado entrar. Por favor, instala-te!…

 


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