
Voltei ao Joel. Por duas vezes. Entrei na minha época balnear de 2020 terminando a leitura de A vida no campo. E, depois, não poderia não ler A vida no campo – os anos da maturidade.
Entre os dois, li outros livros, claro, alguns dos quais poderão desaguar nesta rubrica. Mas, neste momento, impõe-se o Joel. Já deveria ter escrito em setembro, porque foi nesse mês, há 20 anos, que se estreou na vida literária com O último servo. Para celebrar estas duas décadas dedicadas aos livros, prefiro traçar algumas linhas de apreço a estes dois dos seus mais recentes. (E desculpa, Joel, por não ter conseguido cumprir o prometido… Ficará para os 25 anos de carreira!)
Em primeiro lugar, é incontornável a referência às fotografias de capa de cada um destes dois volumes. São imagens-chamariz para a leitura dos livros, porque vivem da paz, da tranquilidade, da harmonia natural das ilhas dos Açores e, em particular, da rusticidade encantatória da Terceira.
Estes dois livros, escritos sob a forma de diário, são preciosos para compreendermos a vida quotidiana de uma terra isolada no meio do Atlântico, um local meio citadino, mas com muitas vivências próprias da vida campestre, onde a proximidade entre as pessoas pode ter tanto de bom quanto de negativo.
São livros que celebram anónimos, aqueles que o autor procura recuperar lá dos confins das suas memórias da infância e juventude, tempo prévio à sua ida para Lisboa para estudar e ao da nova fixação na ilha, por quatro anos (mas nem por isso…).
São livros que desenham nas nossas mentes as paisagens das ilhas de bruma, os nomes e as descrições das árvores e das flores e dos animais, sobretudo as aves [sinal (de procura) de liberdade?]; livros que chovem e neblinam e fazem sol; livros que nos apresentam faits divers locais, tradições, costumes e falares insulares; livros que são um recanto da alma do Joel, reveladora da uma certa intimidade familiar (a mãe, o pai, a Catarina, o Melville e a Jasmim…).
Os Açores estão lá. Aliás, esse “lá” é os Açores. E que bom que é! Porque quem não conhece imagina e tem vontade de ver; quem conhece recorda ou dá mais valor.
Penso que é mesmo isso que aconteceu ao Joel: passou a valorizar mais a sua terra, as suas pessoas, os seus hábitos e rotinas, desde que aqui se reinstalou e resolveu refazer a sua vida. E porque é em tudo isto que encontra serenidade para escrever, para apreciar a natureza, para cuidar do seu jardim, de si e dos seus. O campo é o seu lenitivo vital.
Escrevi anteriormente que Meridiano 28 é o livro mais maduro do Joel. Mas isso é uma imprecisão: ainda não tinha lido o segundo volume de A vida no campo. Refaço a afirmação: Meridiano 28 é o livro de ficção mais maduro do Joel. Porque A vida no campo – os anos de maturidade a trazem no próprio título e ela pulula não apenas no estilo discursivo, mas sobretudo no que é afirmado.
De facto, o segundo volume é-me mais caro, na medida em que, enquanto o primeiro prefere a contemplação, o segundo aprecia a introspeção; neste, o autor é mais reflexivo sobre a vida, sobre o seu eu, sobre o eu em relação aos outros e à própria vida, o que o levou a assumir erros e as mágoas respetivas, potenciando o seu crescimento como homem e como ser humano. E assim também o leitor, ao identificar-se…
Ao contrário de tantos outros livros do Joel, estes dois, mais íntimos, não falam de regresso; eles são o regresso. Um regresso que o autor assume como de aprendizagem constante, um regresso à casa-mãe que lhe continua a dar muito. Talvez por isso os dois livros estejam seccionados pela referência às estações do ano. No primeiro volume, os verbetes do diário têm início no outono e terminam no verão, a época madura. No segundo volume, porém, não vem a decadência do outono, a que, logicamente, serviria de continuação. Antes acolhemos a renovação da primavera, a surpresa da vida, a liberdade do renascer, o sinal de que Joel Neto se reaviva a cada ano que passa, porque viver nos Açores é tão apenas viver…
Paulo Matos
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