Emigrantes dão dois deputados ao Chega anti-emigração

 

Portugal deu uma guinada à direita nas eleições legislativas realizadas dia 10 de março, mas o New York Times não pareceu alarmado e considerou natural a subida da extrema-direita, uma vez que “as lembranças da ditadura desapareceram e a insatisfação aumenta enquanto o partido Chega apela para as frustrações dos eleitores”.
A Aliança Democrática (AD), coligação formada pelo Partido Social Democrata (PSD), o Centro Democrático Social (CDS) e o Partido Popular Monárquico (PPM) venceu as eleições com 1.867.013 votos (28,84%) e 80 deputados. O Partido Socialista (PS) foi segundo com 1.812.469 votos (28,7%) e 78 deputados, o pior resultado dos socialistas desde 1987, ano em que obtiveram 22,2%.
A AD ganhou, mas ficou muito abaixo das expectativas e foi a vitória mais curta da história da democracia portuguesa, a diferença entre AD e PS foi apenas de 54.544 votos, uma ninharia se compararmos com o que aconteceu em 1987, quando Cavaco Silva conseguiu a sua primeira maioria absoluta. Nessas eleições de julho de 1987, o PSD teve 2.850.784 votos e o PS recebeu 1.262.506. Ou seja, a diferença foi de mais de 1,5 milhões de votos.
Mesmo sem maioria absoluta (que exigiria 116 deputados), o PSD vai formar governo cuja posse está prevista para 2 de abril e o líder do partido, Luís Montenegro, já foi indigitado primeiro-ministro pelo presidente da República.
Quanto ao PS, é evidente que sofreu uma derrota. Nas eleições de 2022 conseguiu 41,3% dos votos e 120 deputados, e agora elegeu 78 deputados. Mas depois de nove anos como líder de governo (primeiro numa coligação de esquerda, a famosa Geringonça, e depois com uma maioria absoluta), talvez a oposição faça bem ao próprio PS.
Como escreveu o Diário de Notícias, de Lisboa, desde 1995 que três em cada quatro dias Portugal tem sido governado por socialistas, portanto é natural muitos portugueses estarem fartos.
Nas Legislativas de 10 de março de 2024, PSD e PS não foram propriamente surpresa uma vez que têm repartido o poder desde o 25 de Abril, o PS venceu sete das 13 eleições legislativas realizadas e o PSD venceu as outras seis.
Desta vez, a surpresa foi o Chega, partido de extrema-direita radical que obteve 18,07% dos votos e subiu de 12 para 50 deputados no novo parlamento, um resultado histórico e nunca visto em 50 anos de democracia. Trata-se de mais do dobro da percentagem obtida nas eleições de 2021, quando conseguiu 7,2% dos votos e elegeu quatro deputados. O Chega consolida-se como terceira força política, enquanto o PCP (Partido Comunista) ficou reduzido a quatro deputados.
Liderada por André Ventura, ex-comentador de futebol na televisão, a extrema-direita portuguesa quadruplicou o número dos seus lugares no parlamento desde as eleições de 2022 e isso significa que desempenhará um papel sem precedentes na próxima Legislatura.
Outra surpresa é que o Chega, assumidamente anti-emigração, também captou eleitores nas comunidades de emigrantes portugueses e foi mesmo o partido com mais votos dos emigrantes nestas eleições legislativas.
A diáspora portuguesa elege quatro deputados e está dividida em dois círculos eleitorais, Europa e Fora da Europa, que elegem dois deputados por cada círculo.
De acordo com dados publicados pela organização de investigação Statista, estima-se que 1.300.000 lusodescendentes e imigrantes portugueses vivam nos Estados Unidos e 550.000 no Canadá, e há cerca de 65.000 eleitores portugueses registados que vivem nos Estados Unidos e 57.000 no Canadá. Estes são números significativos em comparação com a maioria da diáspora mundial de Portugal, mas muito menos do que em França (396.000), Brasil (259.000), Reino Unido (170.000) e Suíça (150.300).
Estimulados ou não pelo Chega, o número de emigrantes votantes nas eleições legislativas de 2024 foi mais de 335.000, o dobro do registado nas eleições de 2022 (173.000).
No círculo da Europa votaram 238.605 cidadãos, o que representa 25,46% dos inscritos. A abstenção rondou 74,54% e os votos nulos foram 31.980. O Chega foi o vencedor pela Europa e o PS obteve 38.063 votos neste círculo.
Fora da Europa, votaram 98.360 cidadãos e a abstenção foi de 83,86%. A AD foi vencedora, seguida pelo Chega.
Já agora, lembre-se que a abstenção baixou, mas houve um outro problema que se agravou nestas eleições: 673.382 votos (37%) foram considerados inválidos e foram para o lixo, sendo o Bloco de Esquerda o partido mais castigado com quase 127.000 votos invalidados.
O problema é que muita gente não coloca a cópia do cartão de cidadão junto do boletim de voto e o voto é automaticamente anulado. A razão é simples: em sua casa, as pessoas não têm condições para fazer a cópia do cartão, que obriga a recorrer a estabelecimento dispondo de máquina fotocopiadora e custa dinheiro. É um problemático desperdício de votos e parece não ter solução.
As eleições de 2024 foram as mais concorridas de sempre nos círculos de emigração, o Chega, com 61.039 votos (18,30%), elegeu dois deputados. A AD foi escolha de 55.986 emigrantes (16,79% dos votos) e elegeu um deputado. E o PS ficou com 52.471 votos (15,73%) e elegeu o outro deputado.
O Chega ficou à frente pelo círculo da Europa graças à votação dos emigrantes da Suíça e do Luxemburgo. Na Alemanha e em França preferiram PS, que ficou em segundo. E em Espanha escolheram AD, que não conseguiu eleger nenhum mandato na Europa.
O Chega foi o partido preferido dos emigrantes que vivem na Europa e o que marcou a diferença foi sobretudo a vitória na Suíça, onde votaram quase 50.000 pessoas e o Chega teve 33% dos votos, bem longe dos 13% da AD.
O país com mais eleitores portugueses é a França e aí o vencedor foi o PS com quase 16.000 votos, mas o Chega ficou muito perto com 14.000 votos. Só em França e na Suíça, o Chega conseguiu mais de 30.000 votos, num total de 43.000 que obteve em toda a Europa.
Fora da Europa, a AD ganhou e o Chega ficou no segundo lugar. Aqui, o Chega recebeu 17.862 e quase 14.000 foram no Brasil, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro apoiou publicamente o partido português.
O social-democrata José Cesário, que foi reeleito pelo círculo Fora da Europa, afirmou que os resultados do Chega no Brasil, ficam a dever-se a uma campanha “baseada na mentira” e ao “apoio maciço e organizado pela máquina política do ex-presidente Bolsonaro, que se traduz numa intromissão gravíssima nos assuntos internos de outro país”.
Com ou sem apoios de Bolsonaro, o que mais surpreende destas eleições foi o apoio que o ultraconservador Chega conseguiu entre os imigrantes portugueses apesar de ser anti-imigração. As sondagens e as análises políticas previam que o Chega continuasse a ser a terceira força política, arrebanhando votos dos desiludidos com o regime, o que não se esperava era que conseguisse vencer num dos círculos eleitorais da emigração.
Claro que em democracia cada um vota em quem quer, mas não deixa de ser preocupante ver tantos emigrantes portugueses votarem num partido assumidamente anti-emigração numa época em que toda a Europa (e a América) viram à direita e a classe política de vários países converteu a emigração em problema nacional. Daí que não se recomendam opções políticas tomadas de ânimo leve e que podem ser um erro tremendo por variadíssimas razões.
Paulo Pisco, socialista reeleito deputado pelo círculo da Europa, explica isso no Diário de Notícias:
“Os portugueses, mesmo na União Europeia, sendo cidadãos europeus, não deixam de ser imigrantes (na perspetiva do país de acolhimento) e de sofrer também na pele as consequências de, muitas vezes, alguma discriminação, serem objeto de natureza xenófoba e racista. Portanto, quando os portugueses sofrem na pele essas consequências, é de estranhar que deem o seu apoio a um partido que tem essas características xenófobas e racistas”.
No caso dos Estados Unidos, os emigrantes, mesmo com a cidadania americana, não deixam de ser emigrantes e muita gente parece esquecer isso, mas nos tempos que correm os emigrantes têm de ponderar as suas decisões políticas, das quais pode depender a estabilidade.
A política está na origem de tudo, do custo de vida, do preço da gasolina, da renda de casa, dos remédios mais baratos, tudo isso depende das nossas decisões políticas. Mas no caso dos emigrantes há ainda que considerar eventuais apoios a políticos anti-emigração.
Claro, haverá emigrantes portugueses que pensam nada ter a ver com isso e que, nos Estados Unidos, é mais problema dos hispânicos. Mas chegada a hora das medidas toca a todos os emigrantes.
Por isso não podemos deixar de ponderar no que poderá acontecer e permito-me convidar os leitores (se forem dois já são leitores) a lerem um poema de Berthold Brecht (1898-1956), importante dramaturgo alemão que na sua época lutou contra o nazismo que assolava a Europa, usando a arte e a literatura como armas.
 Ao defender a necessidade dos trabalhadores entenderem o processo histórico que determina a sua condição de vida, Berthold Brecht tornou-se uma referência para os movimentos sociais. Escreveu poesias para tentar alertar e acordar a população alemã do perigo que representava o partido nazista, como este poema aplicável à problemática da emigração:

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei.

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.