Crónica de uma viagem ao Faial e Pico

 

E lá fomos de férias até ao Faial, na companhia das “patroas” (esposa e filha), durante seis dias e ainda no cumprimento desse passatempo e vício que não me sai das veias: a música, integrando Os Sombras, esse conjunto musical da ilha Terceira que marcou uma época (finais dos anos 60 e início de 70) nos Açores. O grupo, constituído por Ilídio Gomes, Carlos Madureira, António Figueiredo “Kiko”, Roberto Bettencourt e o autor destas linhas, voltou à Horta 51 anos depois para atuar no 100º aniversário do Sporting Clube da Horta e cumprindo a tradição do 4 de Julho. O espetáculo (empolgante) aconteceu no passado dia 4 de julho, data que assinala simultaneamente a elevação da vila da Horta a cidade pretendendo também homenagear os EUA, país que de uma forma ou de outra tem contribuído para o progresso da ilha.
Saindo de Boston pelas 21h00 no “Inspire” Airbus A321 LR, da SATA Azores Airlines, e agora sim na zona super moderna do Terminal E, aterrámos em Ponta Delgada à hora prevista, pelas 6:10 da manhã e só seis horas depois conseguimos voo de ligação para a Horta, gozando de excelentes condições atmosféricas que deu para ver todas as ilhas do grupo central e já na aproximação ao aeroporto ali na zona de Castelo Branco, fomos “brindados” com uma vista espetacular da montanha da ilha do Pico.
Umas horas de descanso no Hotel Horta, onde fomos amavelmente recebidos pelo proprietário Carlos Morais e uma volta pela bela cidade da Horta.
No dia seguinte, uma visita ao Pico, numa super agradável viagem num dos ferrys de serviço e chegada à Madalena. Mas o destino era São Roque e lá fomos, orientados pelo gerente do grupo, Zé Guilherme Ribeiro, almoçar no Clube Naval. Ementa: lírio grelhado regadinho e Angus grelhado com um Eruptio branco do Pico, e tudo depois de umas entradas de queijos locais: Mistério e São João. Maravilha. A sobremesa foi servida na vivenda do simpático casal Zé e Dorinda Ribeiro, com o mar ali pertinho à espreita e onde o Zé costuma dar uns mergulhos na pesca de uns peixinhos para o almoço ou jantar. Sítio super agradável com São Jorge em frente. Uma visita à casa de férias Adega do Fogo, em Santa Luzia, na zona do Cabrito, possível local de repouso dos Sombras para 2025 e a constatação de que é realmente um sítio aos pés do mar e beijando a montanha, uma casa que recupera a antiga destilaria do Cabrito e respetiva casa solarenga construída há 200 anos. Situada na paisagem da cultura da vinha da ilha do Pico é um sítio classificado pela UNESCO desde 2024, com vista privilegiada para o ponto mais alto de Portugal e a dois passos do mar. 
Na quarta-feira, um dia antes do espetáculo, a nossa cicerone, Alda Pimentel, levou-nos aos pontos principais do Faial revelando profundo conhecimento da história do povoamento, da fauna, flora e acontecimentos que marcaram o ciclo da vivência dos faialenses. Fica na retina a visita à Caldeira, ao Centro Interpretativo do Vulcão dos Capelinhos, sítios que já haviamos visitado em 2016 aquando de um encontro de jornalistas da diáspora e muitos outros aprazíveis locais, com o Pico e São Jorge sempre presentes.
Na quinta-feira, dia do espetáculo no Sporting Clube da Horta, ensaio de som pelas 3:00 da tarde e espetáculo pelas 22h30, que durou até cerca das 2h00 da madrugada, com muita gente amiga, alguns aqui radicados e muitos outros que quiseram recordar e reviver os famosos bailes dos Sombras nos anos 60 e 70. Este grupo temático agradou em pleno de tal forma que está quase certa nova digressão em 2025 incluindo Faial, Pico e possivelmente Terceira.
Falta ainda referir que no programa da nossa viagem à cidade da Horta fizemos questão de visitar a redação do nosso colega “Tribuna das Ilhas”, semanário superiormente dirigido por Susana Garcia, que nos recebeu amavelmente e onde abordamos questões transversais aos dois semanários: dificuldades e novos desafios com que somos agora confrontados.
Foi também super aprazível o almoço no Canto da Doca na Horta, onde fomos recebidos por dois elementos da comissão organizadora do centenário do Sorting Clube da Horta e pelo seu proprietário. Excelente espaço onde o cozinheiro é o cliente. À noite lá fomos até à casa do amigo Edgardo Goulart “devorar” umas lapas e tantas outras coisinhas boas e serenata musical. Cinco estrelas.
No regresso aos EUA, paragem de 1 dia e meio na ilha de São Miguel, que serviu sobretudo para passar momentos agradáveis com a família. Plano plenamente cumprido.
Uma visita à nossa terra é sempre muito agradável. Para quem ainda não teve oportunidade de visitar as ilhas do triângulo: Faial, Pico e São Jorge, faça-o, na certeza de que vai adorar.
Agradecimentos ao corpo diretivo e massa associativa do Sporting Clube da Horta pela forma gentil e amável como nos recebeu. Agradecimentos extensivos ao casal Zé e Dorinda Ribeiro.

A visita ao Peter Café Sport e museu

No dia seguinte à nossa chegada ao Faial lá fomos até ao Peter Sport Café, para um “gin tónico”, esse emblemático bar com 106 anos de existência, fundado em 1918 por Henrique Azevedo, consagrando no nome do café a sua paixão pelo desporto, pois era praticante habitual de futebol, remo e bilhar.
Fomos amavelmente recebidos no museu pelo atual proprietário José Henrique Azevedo e onde pudemos observar a riquíssima e vasta coleção de “scrimshaw”. 
Expressando-se fluentemente em inglês, José Azevedo explicou toda a história da atividade baleeira nos Açores e ligação com os EUA, para além de elucidar sobre um grandioso conjunto de peças trabalhadas em dente de cachalote, com gravações e baixos-relevos. Esclareça-se que o termo “scrimshaw” tem dois sentidos: por um lado, em sentido geral, designa uma forma de arte e, por outro lado, em sentido restrito, aplica-se aos diferentes produtos dessa arte. Nascido a bordo das baleeiras da Nova Inglaterra como forma de ocupar o tempo durante as longas horas de lazer a bordo, esta forma de artesanato desenvolveu-se através de um processo de gravura e escultura em dente e osso de baleia, abarcando uma grande variedade de objectos, tanto de uso como ornamentais, feitos normalmente como lembranças para familiares. 
Convém também sublinhar que a origem do “Scrimshaw” é um dos mistérios ainda não resolvidos no presente. As teorias explicativas variam muito e vão desde os autores que a fazem remontar à influência da cultura esquimó nos baleeiros da Nova Inglaterra até aos que o consideram como uma arte marítima e indígena americana, passando por outros que fazem acentuar a influência dos ilhéus dos Mares do Sul nos baleeiros americanos. Mais plausível é a explicação de Edouard A. Stackpole, que considera o “scrimshaw” simplesmente como o desenvolvimento, no mar, da antiga arte de esculpir o marfim, tal como fora praticada durante cinco séculos, tendo sido essa a contribuição dos baleeiros americanos para esta forma de arte já estabelecida. Deste modo, o “Scrimshaw”, como arte popular, não foi mais do que uma adaptação pelos baleeiros americanos de um antigo ofício e não de uma actividade que tenha nascido da caça à baleia. 
Voltando à história deste emblemático café e bar, refira-se que foi o pai Henrique Azevedo a lançar algumas das grandes características que ainda no presente tipificam o “Peter”: a escolha do mobiliário (ainda hoje é utilizado mobiliário do mesmo tipo), a águia como símbolo e o “gin tónico” como bebida muito apreciada.
Segundo dados recolhidos no website do Peter Café Sport, refira-se que no final dos anos 30, José Azevedo, filho de Henrique, começou a ajudar no Café Sport enquanto trabalhava também no navio inglês HMS Lusitania II da Marinha Real Britânica. Este navio estava ancorado na Horta desde 1939, depois de ter sido atingido por uma bomba de profundidade.
Durante o seu período de trabalho no HMS Lusitania II, José desenvolveu fortes laços com a tripulação do navio, ao ponto de um dos oficiais, devido às semelhanças entre o seu filho e José, com saudades do filho e como forma de mitigar a sua saudade de casa, lhe ter perguntado se não se importava de ser chamado “Peter”. O nome “pegou”. Até o açoriano local começou a chamá-lo pelo seu novo apelido e, para o resto da sua vida, José Azevedo tornou-se “Peter”. 
Em 1944, com o início da guerra, Peter acabou por abandonar o seu posto no Lusitânia II, começando a trabalhar a tempo inteiro no Café Sport para ajudar o seu pai, Henrique Azevedo, devido ao grande afluxo de navios que chegavam à Horta durante este período. Náufragos, feridos e doentes, pessoas à procura de abrigo, outros necessitados de reabastecer e reparar as suas embarcações, outros simplesmente para descansar durante alguns dias.
Foi neste contexto que o “Café Sport” se tornou um ponto de referência para todos os que passaram pela Horta, prestando ajuda amigável a todos os que dela necessitavam, independentemente do assunto, técnico ou humano, para todas as nacionalidades, credos e raças.
Passados poucos anos, a guerra tinha terminado e a maioria das pessoas trazidas por ela para o Faial já tinham desaparecido. No final dos anos 50, um novo tipo de visitantes começou a chegar ao Faial: barcos à vela de recreio... e assim começou, os laços criados com estes aventureiros, que deixaram tudo atrás de um sonho, tornaram-se a razão por detrás do “Café Sport” - o atual reconhecimento mundial entre viajantes e iatistas.