Parabéns à Vila de Água de Pau pelos seus 508 anos de aniversário (1515-2023)

 

Elevada a Vila pelo rei D. Manuel I a 28 de julho de 1515, recordo um segmento da sua história e dos seus antigos Moinhos 
PORQUE ACABARAM OS MOINHOS DE ÁGUA NA VILA D’ÁGUA DE PAU?

Desde 1505 quando era freguesia de Nossa Senhora dos Anjos Os Moinhos D’Água da nossa Vila de Água de Pau constituíam já e por muitos séculos uma das maiores riquezas desta terra e os seus moleiros foram os primeiros comerciantes que por aqui existiram. Eles negociavam com os seus conterrâneos usando a farinha como moeda de troca com outros dos produtos que a terra dava. A Serra d’Água de Pau sempre foi bem fornecida de aquíferos de água e consequentemente de boas nascentes. Esta terra era pródiga e atraiu muita gente para aqui se fixar por causa das suas terras férteis e boa e muita quantidade de água. Bons recursos hídricos e terras férteis, eram os dois bens essenciais para se fixarem os primeiros povoadores que a esta terra chegaram. E, assim foi por vários séculos.
No fim do século XIX a cidade de Ponta Delgada dava sinais de crescimento e desenvolvimento. No entanto, a água que lhe chegava das suas nascentes a poente desde as Sete Cidades não solucionava a rede pública e por isso o Marquês da Fonte Bela, com responsabilidades autárcicas e depois governativas, tomou providências. Foi comprando aos moleiros de Água de Pau «penas d’agua» [medida de quantidade de água] e em breve a força do caudal foi quebrando, aguentando-se os moleiros com moinhos mais próximos da vila e mais perto do fim do curso, nos caminhos dos Barrancos onde ainda corriam e desaguavam em ribeira até à Baía dos Moinhos, hoje conhecida por Baixa D’Areia.
Alguns anos depois, viram-se os poucos moleiros resistentes constrangidos na sua produção, por falta de caudal da sua maior nascente, a “Nascente da Ribeira do Lance”, que no primeiro quartel do século XX a Câmara Municipal de Ponta Delgada em conduta levou a água pela Serra de Água de Pau, atravessando o concelho de Lagoa, indo abastecer a florescente cidade de Ponta Delgada e suas freguesias limítrofes.
Posteriormente, a Vila da Lagoa conhece também uma fase de desenvolvimento e o então Engº Jaime Lima, presidente da Câmara Municipal de Lagoa, manda construir outra conduta para trazer a água das nascentes das «Cáles e dos Lourinhos» na Serra de Água de Pau, para reforçar o abastecimento público e as novas indústrias que se instalaram no Rosário da Lagoa.
A partir daí, na década de 1960, termina de vez a atividade dos moleiros com moinhos de água em Água de Pau, assim como se eliminam as várias «soadas» ou canais que derivavam da ribeira do Santiago, que permitia a lavagem de roupa a muitas mulheres. As «lavadeiras» juntavam-se na maior delas, em frente à casa do senhor António Correia [hoje casa da Carla Esteireiro, e marido emigrantes em Moçambique]. Eliminou-se também a outra soada que derivava da mesma ribeira para os tanques da Indústria de Vimes, outrora localizadas no pátio traseiro da antiga escola Professor João Ferreira da Silva virado para a rua da Ribeira. Foram igualmente eliminadas as pequenas soadas junto à rua dos Coelhos, Praça e Barrancos e em 1949 o presidente Carlos Bicudo Medeiros (1946-1954) antecipando o desaparecimento das mesmas inaugurou no Paul, a Casa das Lavadeiras, que serviu e foi utilizada por várias décadas e  hoje é espaço museológico, porque toda a gente agora tem água canalizada nas suas casas e consequentemente, máquinas de lavar roupa.
A atividade dos moleiros e moinhos d’Água de Água de Pau assim como o pouco caudal que corria nas ribeiras do Santiago e do Paul viriam mesmo a estagnar quando as “Nascentes do Espigão” também na Serra de Água de Pau, passaram totalmente a serem aproveitadas para o abastecimento total da população da Vila de Água de Pau. A partir de meados da década de 1970, foram surgindo novas e restauradas habitações pelos nossos emigrantes, alguns, antigos moleiros, que, entretanto, iam enviando suas economias das Bermudas e do Canada mais, e menos, dos EUA.
De quando em vez, quando publico na minha página do Facebook imagens de antigos moinhos, logo surgem saudosos comentários de descendentes dos seus últimos proprietários, recordando a vida dos seus antepassados e momentos vividos à volta da sua atividade, contando-nos histórias de gerações associadas aos moinhos, aos antigos moleiros, à riqueza e união da família. Recordam coisas simples, mas importantes nas suas convivências e vivências, como os nomes dos animais, como “Tadeu”, o burro ou “Ligeira” a égua, que ora transportavam no dorso ou puxavam a carroça da recolha dos milhos e distribuição das farinhas, pelas ruas da Vila de Água de Pau. Lindos tempos esses da minha infância também!
-  “Ó Engrácia tens a cesta pronta com o almoço? Vou agora aos Valverdes, Paul, Vila Nova, Ginjal, Caminho Velho e Portela e depois sigo para o nosso moinho no Caminho da Vila, com os milhos para preparar a moenda para distribuir ainda essa tarde, até ao fim do dia! Despacha-te filha!” – Era o Ti Joaquim D’Arruda, moleiro de geração, à porta da sua casa, na vizinhança da lojeca do regedor António Caetano de Oliveira, na ladeira da rua da Natividade.
Hoje os moinhos estão transformados em casas de veraneio, restaurados ou modificados. No entanto alguns antigos moinhos continuam de pé, com as suas paredes antigas, falantes. Se por eles passarem, encostem os ouvidos às suas paredes e ouvirão suas mágoas e tristezas. Se não ouvir é porque não lhe foi dado esse dom ou então é dado a desdenhar de coisa velha. Afaste-se dali, pois, não vá o espírito d’algum antigo moleiro pregar-lhe um susto!

 

• Roberto Medeiros - S. Miguel, Açores