A história desta família escreveu-se com o coração

 

Há uma frase, atribuída a Michael Crichton, autor e cineasta americano, que citei numa passagem do Livro “A Loja do Ti Bailhão”, e que reza assim: “Se não conheces a História, então não sabes nada; és apenas uma folha que nem sabe a que árvore pertence”. Tomei a liberdade de lhe acrescentar três palavras, escrevi “da tua Família”, logo a seguir a História. Não serei apenas uma das tais folhas porque, felizmente, sei a que árvore pertenço.
Foi uma aprendizagem que durou sete décadas, e, mesmo assim, ainda há pequenos pormenores que escapam à minha compressão. Desde muito novo que me entretinha a olhar para os mais velhos, observar-lhes os movimentos, ouvir-lhes o timbre da voz, escutar as estórias que contavam, segui-los, de mãos atrás das costas, e pisar as mesmas pedras nos caminhos da vida. Li todas as cartas que vinham da longínqua América, do misterioso Brasil e até da vizinha e doce Graciosa; servi de cicerone aos que nos visitavam e, algumas vezes, quando eu é que era o viajante, inventei desculpas para prolongar a estadia, para conviver, nem que fosse só mais um dia, com aqueles que só via esporadicamente. Recordo quase tudo, registei imagens, sons, cheiros e gostos. E tenho pena do que me esqueceu, dos momentos que se dissiparam no fundo da memória. 
O livro “Famílias da Terceira - Bendito/Bailhão” que agora chega às vossas mãos, é, esperamos, o 1º volume de uma série que a Turiscon Editora pretende editar para trazer a publico as vidas e as histórias de algumas famílias da Ilha de Jesus. O facto de a família Bendito ter a honra de abrir o caminho deu-se por puro acaso. Sempre com o fervor de tentar descobrir mais detalhes dos meus antepassados, contactei Liduíno Borba a ver se ele me ajudava a investigar a genealogia da família. Eu pretendia conseguir temas para futuras crónicas, ao mesmo tempo que esperava ficar a conhecer mais detalhes dos meus progenitores. Mas, com o andar do tempo e depois de conversas quase diárias com o editor, ele convenceu-me que tínhamos material que poderia ser reunido num livro.
Partindo do princípio de que as narrativas familiares seriam de pouco interesse para pessoas de fora do nosso agregado, resolvemos entrar pelo caminho que já havíamos trilhado nos dois livros que publicámos anteriormente, o já citado “A Loja do Ti Bailhão”, em 2015 e o “Barro Vermelho – Ilha Branca”, em 2019. Assim, recolhemos textos que espelham a ligação que sempre houve entre a família Bendito e certos lugares e espaços da cidade de Angra e, para acompanhar o desenvolvimento da narrativa genealógica, escrevemos novas crónicas e outros pequenos textos a ressuscitar pessoas, a contar o que sabíamos sobre elas e trouxemos à tona estórias e peripécias das suas vivências, como que a tentar adivinhar os seus pensamentos, ou sequer ter uma pálida ideia das suas alegrias e dos seus infortúnios. 
De facto, foram muitas e penosas as tristezas. Só quem imigrou, como eu o fiz há quase cinquenta anos, pode sentir a ferroada do aguilhão da saudade. Por isso imagino as tristes situações criadas com partidas para o Brasil nas últimas décadas do sec. XIX e para as  Américas em datas mais recentes; quase que sinto na alma a angústia dos membros da família que viram os seus negócios não terem o sucesso que eles esperavam; a dor da separação de casais cujos matrimónios falharam; sinto, como muitos sentiram, o gosto salgado das lágrimas que choraram quando entes queridos faleceram, como aconteceu aos meus bisavós maternos, que perderam sete dos seus doze filhos ainda crianças de tenra idade. Ainda tenho a visão bem clara de observar a melancolia no rosto do meu pai, quando nos contava da pena de nem ter conhecido a sua própria mãe.
Há que dizer que este estudo não nos trouxe todas as respostas que desejávamos, embora Liduíno Borba tenha despendido centenas de horas a revirar documentos. Por exemplo, perdeu-se o rasto de um tio-avô que nasceu no Brasil, mas não sabemos onde morreu, apenas há o relato de que casou em Santa Barbara, Terceira, em 1921, pelo que presumimos que terá regressado ao Brasil. Outro ramo da família, primos do meu avô paterno, embarcaram para a América por volta de 1920 e por lá ficaram, sem se saber mais deles. Se é que ainda existem descendentes desses Benditos, não os conhecemos.
Por outro lado, tenho plena consciência que, por falta de engenho da minha parte, este trabalho tem algumas falhas. Há parentes afastados que não estão aqui representados, talvez por dificuldade de comunicação ou porque são pessoas com quem nunca tive o mínimo de contacto. Aqui apresento, a esses ou a outros que se possam sentir lesados, as minhas desculpas. 
Ao fim e ao cabo, estou orgulhoso desta obra, se é que lhe posso chamar assim. E acho que se podem sentir orgulhosos todos os que, de forma incondicional, participaram com textos, informações e fotografias. Foi longo o percurso, começado com um tal José Machado, que nasceu a 1 de março de 1767 em São Mateus, Terceira e que se estendeu até ao menino Francisco Ferreira Bendito Medeiros, que nem tem 1 ano de idade. Há atualmente apenas cinco rapazes com o último nome de Bendito, mas temos a certeza de que eles serão capazes de levar ainda mais longe o nome que os precedeu na História. Talvez este livro os ensine a saberem a que árvore pertencem.
O livro “Famílias da Terceira – Bendito/Bailhão” será apresentado ao público no dia 13 de Abril, num encontro de amigos a ter lugar no novo café-livraria «Lar-Doce-Livro», um novel empreendimento do escritor terceirense Joel Neto e sua esposa. Contamos com a presença do professor e amigo Victor Rui Dores, que fará a apresentação formal do livro, que a Turiscon terá à venda em todos os locais de venda de livros na ilha. Estará também disponível para aquisição junto de membros da família Bendito e, nos Estados Unidos, deve estar pronto para entrega por correio a partir do fim de Abril.