Olé Toiro Terceira

by | Nov 5, 2025 | Décima Ilha

O livro “A Divisa Vermelha”, editado em dezembro de 2025 em Angra do Heroísmo, percorre cinco gerações de marcantes ganadeiros da ilha Terceira, desde Tomaz de Mesquita Borba até Fernando Marques, revisitando todo um século de Festa Brava nos Açores e na Diáspora.

Por mérito louvável do escritor José Paulo Lima, do fotógrafo Edgardo Vieira e do editor Liduíno Borba, esta obra tanto honra a história taurina terceirense como celebra a sua extensão às comunidades açorianas da América do Norte.

No primeiro capítulo, de caráter introdutório, contextualizam-se as raízes profundas da criação de bovinos na ilha Terceira. Acompanhando os povoadores do século XV, os primeiros animais dão origem a uma estruturante tradição pecuária nas nove ilhas dos Açores, orientada para a produção de carne e de leite, que nesta ilha de Jesus deriva também para a criação de toiros bravos, com direta ligação à tauromaquia, dominando a paisagem interior, determinando a identidade cultural, dinamizando a convivência social, estimulando a economia local. Porque afinal, nas palavras de José Paulo Lima, “ser ganadeiro de toiros bravos na ilha Terceira é muito mais do que uma ocupação – é um compromisso de alma, um gesto de amor à terra, à tradição e à identidade cultural de um povo”.

O segundo capítulo evoca e congratula o contributo histórico de Tomaz de Mesquita Borba (1905-1965), essa figura maior da tauromaquia terceirense que origina e determina a linha ganadeira da divisa vermelha.

Os três capítulos seguintes acompanham, também exaustivamente, os diferentes percursos dos seus continuadores – Fernandes de Miranda, Álvaro Inácio Gomes e Eliseu Gomes – que honraram o legado agora adquirido por Fernando Marques, da Quinta do Olé Toiro.

Fernando Manuel Paim Marques, em cuja vida culmina esta obra, nasceu na freguesia praiense de São Brás, a 1 de janeiro de 1960. Com 14 anos de idade, emigrou para o Canadá, para se juntar à família, e cedo começou a trabalhar, sucessivamente nos ramos da restauração, da indústria farmacêutica e da limpeza, até se afirmar no setor da construção com 130 empregados diretos de origem açoriana em 14 companhias de subempreitada.

Há um quarto de século, o empresário de sucesso decidiu afirmar a cultura tauromáquica por terras canadianas, adquirindo os primeiros 35 toiros na Califórnia, curiosamente, ao emigrante terceirense Frank Vaz Borba, primeiro ganadeiro nos Estados Unidos da América e descendente direto de Tomaz de Mesquita Borba. Assim nascia a Quinta do Olé Toiro, em Arthur, no condado de Wellington da província do Ontário. Nas pastagens planas desse rancho próximo de Orangeville, a norte de Toronto, celebra-se a açorianidade e alimenta-se a saudade com touradas de quase 4.000 emigrantes aficionados ou procissões alusivas aos santos padroeiros das freguesias terceirenses.

Com os toiros no pensamento e a Terceira no coração, já em 2025, Fernando Marques concretizou o sonho resistente de adquirir a Eliseu Gomes a antiga ganadaria de Tomaz de Mesquita Borba, fechando assim o ciclo virtuoso da divisa vermelha. A marca Olé Toiro Terceira, sedeada no Pesqueiro da freguesia angrense de São Bartolomeu, é agora uma extensão transatlântica do seu projeto canadiano e conta 35 toiros já marcados com o ferro FM. Este quarto livro dos mesmos autores com temática comum – depois de “Ilha Terceira – O Lugar Atlântico do Toiro” (2014), “Tourada à Corda – A Bandeira de um Povo” (2023) e “Ribeirinha – Freguesia Taurina” (2025) – prossegue e valoriza o património bibliográfico da Turiscon Editora prestigiando a tauromaquia terceirense e acrescentando a componente diaspórica.

Da sua leitura resultam informações interessantes sobre a relação taurina da ilha Terceira com a respetiva diáspora na América do Norte.

No Canadá, a comunidade de Lindsay, a 130 quilómetros a nordeste de Toronto, acolheu a primeira tourada alguma vez realizada por terras canadianas, em 1958. A praça de touros foi construída em contraplacado no antigo recinto de feiras da cidade e reuniu cerca de 5.000 pessoas.

Nos Estados Unidos, Frank Vaz Borba, herdeiro da família terceirense de Tomaz de Mesquita Borba, já nascido na Califórnia e já aqui referenciado, foi o primeiro ganadeiro a constituir-se com o intuito da produção contínua de toiros bravos. Iniciou a sua casa de bravo no final da década de cinquenta e já corria toiros em 1961 na cidade de Gustine.

Afinal, A Divisa Vermelha documenta e demonstra que a tauromaquia extravasa a Terceira, emigrando também com os bravos da terra, e que um ganadeiro emigrado só se completa na sua ilha natal, como o “canadiano de S. Brás”.

 

Diretor Regional das Comunidades do Governo da Região Autónoma dos Açores

Texto baseado no prefácio do livro “A Divisa Vermelha” (Turiscon Editora, 2025)

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