Casamento no estrangeiro: Divórcio em Portugal?
Imagine, a título de exemplo prático, que a Ana e o John casaram em Itália, onde se conheceram, há cerca de 5 anos, onde viveram juntos por 2 anos e foram viver para Portugal até se separarem. Com o decorrer do tempo, Ana decidiu que estava na hora de oficializar o divórcio com o John, mas pergunta-se: será que pode pedir o divórcio em Portugal, sendo que casou-se em Itália e o marido não tem nacionalidade portuguesa? A verdade é que sim — a lei portuguesa prevê essa possibilidade, desde que estejam preenchidas certas condições que determinam se os tribunais portugueses têm competência para apreciar o pedido. Esta tem vindo a tornar-se muito relevante, sendo que vivemos numa sociedade cada vez mais marcada pela mobilidade, onde um casal pode casar-se num país, viver noutro e ver ainda o seu casamento dissolvido noutro.
No caso em análise, existe um conflito plurilocalizado, com ligações a Portugal (residência dos cônjuges e factos que fundamentam o divórcio) e a Itália (local do casamento). O artigo 72.º do Código de Processo Civil (CPC) determina que é competente para apreciar ações de divórcio o tribunal do domicílio ou residência do autor.
Porém, terá de ser cumprido pelo menos um de dois requisitos fundamentais para requerer o divórcio em Portugal, sendo que o primeiro tem a ver com a residência habitual de pelo menos um dos cônjuges. Este conceito define-se como o local onde a pessoa vive de forma estável e regular, aí organizando a sua vida. Assim, os tribunais portugueses são competentes, por exemplo, quando ambos os cônjuges residem habitualmente em Portugal, quando o pedido é feito contra alguém que aqui reside, ou ainda quando o requerente vive em território português há pelo menos um ano. A residência habitual funciona, portanto, como o principal elo entre o casal e a jurisdição portuguesa.
Também é possível requerer o divórcio se forem ambos cidadãos portugueses, e, assim realço que os dois terão de ter a nacionalidade portuguesa.
A competência internacional dos tribunais portugueses é regulada pelos artigos 59.º, 62.º e 63.º do CPC e deve respeitar os regulamentos europeus aplicáveis, que prevalecem sobre o direito interno. Assim, aplica-se o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019 (Bruxelas II), aplicável às ações intentadas após 1 de agosto de 2022. De acordo com o artigo 3.º, alínea a), subalínea i), são competentes os tribunais do Estado-Membro onde os cônjuges tenham a residência habitual.
Concluindo o caso inicialmente exposto, embora o casamento tenha sido celebrado em Itália, o divórcio pode ser requerido em Portugal, uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos estabelecidos tanto pela lei portuguesa como pelo Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019 (Bruxelas II). De acordo com estas normas, é suficiente que um dos cônjuges tenha a sua residência habitual em território português. Verificando-se que ambos residem habitualmente em Portugal, os tribunais portugueses são, assim, internacionalmente competentes para apreciar e decidir o pedido de divórcio.





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