Miguel Moniz, antropólogo, estudioso e investigador público, ao Portuguese Times: “Sou um cidadão das minhas experiências”

by | Nov 19, 2025 | Cultura outros, Perfis

Foi criado numa comunidade em Cape Cod, MA, fundada e construída por trabalhadores rurais e da construção civil migrantes açorianos e cabo-verdianos. Nos EUA viveu em Providence, Boston, Fall River, New York, Connecticut e Flórida.

Começou a viver em Portugal, com algumas interrupções, em meados da década de 1990 (principalmente nos Açores, em São Miguel, terra da sua família e também na ilha Terceira), visitando ainda Lisboa. Na Europa viveu na Alemanha e em Snowdonia, ao norte do País de Gales.

Miguel Moniz (PhD, AM Brown University; BA na Wesleyan University), é antropólogo e investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e foi investigador visitante na Brown University e na Universidade de Massachusetts Dartmouth. O seu trabalho foi apoiado por bolsas e auxílios em projetos financiados pela Fundação Fulbright, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), Fundação Nacional de Ciência e Tecnologia (FCT), National Endowment for the Humanities, European Research Council (ERC), Rhode Island Endowment for the Humanities, Massachusetts Foundation for the Humanities, entre outras.

Para além de artigos académicos, Moniz contribui para o jornalismo e para a opinião. A sua investigação foi destacada em reportagens do All Things Considered e The Morning Edition, da NPR, The Atlantic Magazine, Oregonian, France 24, Diário de Notícias, O Público, Boston Globe e outras publicações internacionais, para além de comentários para a televisão portuguesa: RTP, TVI e SIC.

“O facto de ter nascido em Falmouth, Cape Cod, uma zona de grande concentração de portugueses e de cabo-verdianos e crescendo nesse ambiente, oriundo de famílias da ilha de São Miguel, Açores, para além de outros familiares que tinha em Fall River, despertou em mim o interesse pela língua e pela cultura da minha família, da minha comunidade e dos meus antepassados.  A primeira vez que realizei um estudo sério sobre esta comunidade foi enquanto trabalhava numa tese de licenciatura sobre as Festas do Espírito Santo na minha cidade de Falmouth,” recorda Miguel Moniz, que adianta ainda sobre esse tempo da sua juventude.

“Trabalhei na equipa de pedreiros do meu tio com um grupo de imigrantes terceirenses que também eram os fundadores e mordomos de uma das mais recentes Irmandades do Espírito Santo na minha cidade natal, fundada em 1983 (outra data de antes de 1901), e isso levou-me a escrever e a investigar sobre as associativismo na vida dos imigrantes”.

“Apesar de ter escrito esta tese de licenciatura em Antropologia sobre a imigração portuguesa, quando era estudante universitária na Wesleyan, nunca fiz um único curso sobre a língua, cultura ou história portuguesas, não porque não quisesse, mas porque não havia nenhum oferecido.”

Sobre o ensino da língua e da cultura atualmente nos EUA, Miguel Moniz recorda:

“Anteriormente havia muitos poucos programas para o estudo da história e da cultura portuguesa, nos anos 80. Quando acabei a minha licenciatura nos anos 90 e candidatei-me para programas pós-graduação, é evidente que já havia sido realizado um número significativo de estudos importantes, mas histórias aprofundadas, etnografias, artigos de jornais científicos e estudos sobre a experiência dos imigrantes portugueses não eram tão abundantes ou tão bem desenvolvidos como são hoje. Para mim, alguns estudos excelentes, como And Yet They Come de Jerry Williams, apesar de fornecerem uma grande quantidade de informações numéricas e um amplo panorama da imigração, simplesmente não captaram a realidade cotidiana da experiência luso-americana que eu tive enquanto crescia.”

“Parte da minha motivação como estudioso tem sido aprender e escrever sobre as coisas que eu gostaria de ter lido, mas que ainda não existiam. Nos anos seguintes, a experiência dos imigrantes portugueses e cabo-verdianos tem sido tema de muitos trabalhos académicos excecioneis, realizados por muitos estudiosos excecionais.

“… Parte da minha motivação como estudioso tem sido aprender e escrever sobre as coisas que eu gostaria de ter lido, mas que ainda não existiam…”

 

“Tive a sorte, por exemplo, de ter participado, em 1994, do primeiro Programa de Verão em Português da UMass Dartmouth, iniciado por Frank Sousa (atualmente na UMass Lowell) — resultado de uma feliz coincidência. Ao participar num dos Festivais de Espírito Santo da minha cidade, por coincidência, sentei-me em frente a Eduardo Mayonne Dias, um dos fundadores dos estudos portugueses na Califórnia e na América do Norte. Ele incentivou-me a participar e a candidatar-me a uma bolsa da FLAD, parte de uma iniciativa para incentivar os luso-americanos da época a estudar a cultura, a língua e a história portuguesas. Ganhei a bolsa e inscrevi-me, tendo aulas de história com a incrível Lisa Godinho — uma das minhas professoras favoritas de sempre. A turma incluía o escritor luso-americano Darrell Kastin, bem como Gina Reis, que se tornaria a administradora de longa data do departamento de estudos portugueses da UMD.

“Comecei a pós-graduação na Brown um ano após. A Brown já tinha criado um importante Centro de Estudos Portugueses na década de 1980, um núcleo que se desenvolveria nos anos seguintes, tornando-se o formidável Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros (POBS). Embora eu estivesse a estudar antropologia, os professores do meu departamento faziam parte desse núcleo, e o POBS era a minha segunda casa, intelectualmente falando, e às vezes até a minha primeira, falando do fundo do coração. 

“Na minha interação com o departamento, a força motriz do POBS era Onésimo Almeida, um dos fundadores do Centro, o “Department Chair,” e o meu mentor na pós-graduação. Não só aprendi com ele sobre a história de Portugal e destas comunidades, o que, francamente, nunca terminou, mas também como um modelo de como um académico deve ser. A sua erudição está enraizada no bem-estar da comunidade que estuda, e sempre tentei imitar a sua abordagem. 

“Os estudantes de pós-graduação da Brown, bem como alguns outros em programas de doutoramento na área, espalharam-se pela América do Norte, onde fundaram as suas próprias bases de estudos portugueses, algumas das quais abrigam estudiosos da imigração portuguesa e cabo-verdiana.

Outra novidade no desenvolvimento dos estudos portugueses tem sido os estudantes e, em alguns casos, como o meu, académicos que foram para Portugal para fazer carreira.

Os estudantes e investigadores interessados em Portugal têm sido, nos últimos anos muito ajudados por programas de estudo, como a Study in Portugal Network (SiPN) da FLAD, um programa para norte-americanos estudarem em programas de curta e longa duração em universidades portuguesas. A relação privilegiada da SiPN com as universidades portuguesas e entidades governamentais e privadas permite abordar praticamente qualquer tema que se deseje explorar em Portugal. 

“Gostaria também de mencionar o prestigiado Programa Fulbright Portugal, que celebra este ano o seu 65.º aniversário e do qual tenho orgulho de fazer parte do Conselho de Administração. Apesar de alguns complicações devido às políticas da Casa Branca, o programa importante do Departamento de Estado dos EUA e o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal continua a proporcionar a académicos norte-americanos oportunidades de investigação em Portugal e a académicos portugueses oportunidades de estudar em universidades norte-americanas. Na verdade, eu próprio fui bolseiro do programa, que apoiou a minha tese de doutoramento sobre os açorianos condenados por crimes graves que foram repatriados para as ilhas.

“Cada vez mais há professores e estudantes que vêm de Portugal a fazer estudos nos EUA também, nesse espírito transatlântico”, esclarece Miguel Moniz, que à pergunta sobre a sua adaptação inicial a Portugal, refere:

“A primeira vez que fui a Lisboa foi em 1989 e fiquei encantado com a cidade, pensando que talvez um dia gostasse de voltar para lá viver, o que aconteceu em 2005. No início, foi difícil adaptar-me a Lisboa. Eu tinha vivido nos Açores por cerca de cinco anos e nunca me senti muito diferente lá do que em New Bedford ou Fall River. O mesmo tipo de pessoas que eu via nessas cidades luso-americanas, eu via em São Miguel e na Terceira. Até em alguns casos, eram exatamente as mesmas pessoas! Mas Lisboa, para mim, no início, era um Portugal diferente do Portugal que eu conhecia. Não era que me sentisse americano em Portugal, tal como não me sentia português na América. Este tipo de dicotomias não descreve realmente o que sinto em relação à minha identificação com os locais que mais aprecio. Até agora, vivi mais tempo em Portugal do que nos EUA, mas, de qualquer forma, tendo nascido lá, sinto-me muito mais como um “Cape Codder” ou um “New Englander” do que necessariamente como um americano. Vivi em muitos lugares em Portugal, nos EUA e noutros locais, e sinto que não sou a soma das minhas nacionalidades ou etnias — sejam elas quais forem —mas sim um cidadão das minhas experiências.”

Sobre o colóquio “Migration, Mill Work and Portuguese Communities in New England”, ocorrido recentemente na UMass Dartmouth, baseado no livro em que editou juntamente com Cristiana Bastos e Bela Feldman-Bianco, três antropólogos com interesses convergentes sobre as vivências e experiências das comunidades portuguesas na Nova Inglaterra, afirma:

“A tendência é concentrar-se na caça à baleia como a nossa história de origem imigrante, mas relativamente poucos portugueses vieram durante o período da caça à baleia. O maior número de portugueses e cabo-verdianos, mais de 90% em comparação com o período da caça à baleia, veio para os EUA para trabalhar nas fábricas da Segunda Revolução Industrial — desde cerca de 1870 até à década da 1920. Essa é a nossa verdadeira história de origem. Este período da história da imigração tem sido menos estudado do que outros, e este livro ajuda a preencher essa lacuna, ao mesmo tempo que expande o conceito de trabalho e política nas comunidades portuguesas da Nova Inglaterra até ao período mais recente.” 

O livro está disponível em livrarias, online e através da editora Tagus Press. 

Um dos projetos atuais de Moniz é a sua participação no projeto da FCT «Exporting Portugal». A sua parte no projeto examina como o Estado Novo colaborou com associações, a Igreja e funcionários consulares para promover o regime entre as comunidades de imigrantes e influenciar a política dos EUA em relação ao governo português. Atualmente, está a preparar para publicação vários artigos e um livro sobre temas relacionados. 

Um deles é um livro sobre o correspondente da Associated Press em Lisboa, Dennis Redmont, amigo íntimo de Mário Soares e apoiante dos movimentos de oposição em Portugal, que foi preso pela PIDE devido às suas reportagens corajosas sobre a censura, a guerra colonial e a prisão de dissidentes contra o Estado Novo. 

Outras publicações em preparação analisam a visita diplomática quase esquecida do cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, antigo colega de casa de Salazar na Universidade de Coimbra e parceiro intelectual na criação dos pilares nacionalistas cristãos que sustentavam o regime do Estado Novo. Em 1936, comemorando o 600.º aniversário da morte de Santa Isabel, Cerejeira empreendeu uma viagem de dois meses pela Califórnia, Nova Inglaterra e Nova Iorque, durante a qual visitou quase todas as comunidades portuguesas e igrejas nacionais portuguesas na América do Norte e conduziu uma diplomacia cultural com membros de alto escalão da igreja e autoridades políticas locais, estaduais e nacionais.

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