E que tal um mayor socialista em New York?

by | Nov 19, 2025 | Expressamendes

Os democratas tiveram uma vitória clara nas eleições de 4 de novembro nos Estados Unidos numa demonstração do descontentamento de muitos americanos com a administração republicana de Donald Trump quase um ano após o início do seu segundo mandato, mas ainda estão longe de recuperar da derrota sofrida nas eleições de 2024.

Os democratas conseguiram, por exemplo, recuperar um governo estadual, mas ainda há 27 governadores republicanos, e 23 democratas e dos quais, por sinal, dez são mulheres.

Por outro lado, os republicanos controlam o Senado e a Câmara dos Representantes de 25 estados, enquanto os democratas apenas têm maioria em 20 legislaturas estaduais.

De qualquer modo, as eleições de 2025 são um aviso para as intercalares de 2026 e as presidenciais de 2028.

De todas as vitórias democratas a que mais deu nas vistas foi a de Zohran Kwame Mamdani como mayor da cidade de New York, devido à sua ideologia progressista: é membro do Partido Democrata e dos Socialists Democratics of America, uma espécie de ala liberal dos democratas com 80.000 membros, e daí que toda a imprensa tenha dito que New York iria ter um mayor socialista.

Mas a eleição de um candidato que se diz socialista não significa que os novaiorquinos estejam mais à esquerda. Na realidade estão é mais insatisfeitos com o governo Trump.

Nascido em Kampala, capital do Uganda, em 1991, e filho de pais indianos, Zohran Kwame Mamdani mudou-se com eles para o Upper West Side de New York aos sete anos, em 1998, quando o pai, Mamood Mamdani, foi contratado para ensinar Antropologia na Universidade de Columbia.

A mãe, Mira Nair, é uma realizadora de cinema que já foi nomeada para o Oscar e o pequeno Zohran foi moldado por estes dois imigrantes intelectuais de elite.

Fez o ensino secundário na Bronx High School e posteriormente estudou no Bowdoin College, no Maine, onde se formou em 2014 com um bacharelato em estudos africanos e fundou um capítulo do Students for Justice in Palestine (Estudantes pela Justiça na Palestina) antes de retornar a New York para trabalhar como conselheiro de habitação.

Nessa altura trabalhou também algum tempo como compositor de música rap, tendo lançado dois discos com o pseudónimo de Young Cardamom e em 2019 colaborou em “Queen of Katwe”, um filme da mãe, onde tem um pequeno papel e é creditado como assistente de realização e supervisor musical. Por sinal, os efeitos visuais do filme são de um tal Marco Raposo de Barbosa.

Quando se tornou cidadão americano, em 1998, Zohran aderiu aos Socialistas Democráticos da América e trabalhou como voluntário nas campanhas de vários candidatos democratas, ganhou experiência e, em 2020, decidiu candidatar-se a deputado estadual por New York e desde então tem sido sempre reeleito.

Em 2024, quando anunciou a candidatura a mayor de New York, ninguém dava nada por ele e Zohran conseguia apenas 1% das intenções de voto nas eleições a que concorriam também o ex-governador Andrew Cuomo e o ativista republicano Curtis Sliwa.

No início de 2025, quando Cuomo anunciou a candidatura, era favorito com mais de 30% das intenções de voto e a sua eleição parecia inevitável, mas Zohran começou a sua campanha e, de 1% das intenções de voto em fevereiro, saltou para 10% em março, 22% em maio e 32% em junho.

Nas eleições primárias partidárias de 24 de junho (as mais votadas de sempre em New York), Zohran teve 573.169 votos e Cuomo 387.137, e nas gerais de 4 de novembro foi eleito mayor com 1.036.051 de votos e uma diferença de 181.056 votos sobre o ex-governador que teve 854.995.

Para Andrew Cuomo o resultado foi constrangedor. É figura da elite democrática novaiorquina, filho de Mario Cuomo (governador três mandatos, de 1983 a 1994), fez parte do governo de Bill Clinton como secretário da Habitação e foi eleito duas vezes governador de New York (2011-2021), mas acabou por renunciar devido ao escândalo de uma série de denúncias de assédio sexual por nada menos de 13 mulheres.

O mais surpreendente é que Zohran Mamdani teve de enfrentar os próprios democratas, e em particular os 123 multimilionários que residem na cidade, figuras proeminentes dos grandes negócios a quem ele pretende cobrar um aumento de 2% no imposto municipal sobre o rendimento para aqueles que ganham mais de um milhão de dólares e um aumento do imposto sobre as empresas que afetará aproximadamente 1.000 das 250.000 empresas novaiorquinas.

Inicialmente, poucos consideravam Zohran um candidato viável, mas quando ganhou as primárias democratas Wall Street começou a financiar Cuomo. Um dos mais generosos financiadores foi o ex-mayor democrata de New York, Michael Bloomberg, que tem um pé de meia de 100 mil milhões de dólares e que doou 13 milhões de dólares à campanha de Cuomo.

Os novaiorquinos endinheirados contribuiram com 41,7 milhões de dólares para a campanha de Cuomo, enquanto Mamdani teve apenas 4 milhões em donativos e recebeu 12,8 milhões em fundos públicos, elevando o total da sua campanha para 16,8 milhões de dólares.

À última hora, Cuomo conseguiu até o apoio do presidente Donald Trump, que se referiu a Zohran Mamdani como um “comunista lunático”, que “nunca trabalhou na vida”, que vai “desfinanciar a polícia”, que “odeia judeus” e que vai “converter New York numa Venezuela”, e ameaçou cortar recursos federais e mandar tropas para New York caso Zohran vencesse.

Como conseguiu Mamdani levar a melhor contra tudo isto? No fundo, usou a estratégia de Trump em 2024: explorou a frustração do eleitor com a economia e com o custo de vida e propôs três medidas: autocarros gratuitos e mais rápidos, congelamento das rendas de casa e creches gratuitas.

Em Manhattan, um estúdio pode custar entre $2.700 e $3.100 por mês. Noutros bairros, em Astoria, no Queens, um apartamento de um quarto pode custar cerca de $2.675.

O congelamento proposto por Mamdani não é propriamente impedir os senhorios de aumentarem as rendas, mas conseguir um milhão de apartamentos baratos para regular o aumento dos gastos com a habitação.

A segunda proposta dos autocarros gratuitos é importante porque os novaiorquinos gastam em média seis dólares numa viagem de ida e volta. O custo mensal para transporte de uma pessoa pode variar de $100 a $400. Acrescente-se que os autocarros de transportes urbanos novaiorquinos já são subsidiados pela cidade com 800 milhões de dólares.

A terceira proposta das creches gratuitas é importantíssima. Em New York o gasto médio com creches aumentou 18% entre 2018 e 2023, passando de $12.422 para $14.621 por criança por ano, o que pode representar até 36,6% do rendimento familiar. Mas garantir que todas as crianças até aos cinco anos tenham acesso gratuito a creches pode custar 6 biliões de dólares por ano.

Por tudo isto, New York é a cidade com maior custo de vida dos Estados Unidos, em Manhattan o valor é mais que o dobro da média nacional. Uma estimativa prática é de $150 por pessoa ao dia para alimentação, transporte e diversões, se for caso disso.

De acordo com os dados oficiais do Departamento de Finanças dos EUA (DGW) para viver “confortavelmente” em New York uma pessoa precisa ganhar pelo menos $184.000 por ano, considerando que as despesas essenciais, por si só, ultrapassam $92.000 anuais. Contudo, segundo o censo de 2023, o rendimento médio das famílias novaiorquinas é de apenas $79.700.

A campanha de Zohran foi bem sucedida falando do custo de vida à classe trabalhadora e conseguiu, por exemplo, recrutar mais de 90 mil voluntários que realizaram mais de 3,6 milhões de abordagens de eleitores de porta em porta.

Para um Partido Democrata numa crise existencial desde a derrota de Kamala Harris em novembro de 2024, a retumbante vitória de Mamdani obrigou a apática liderança a envolver-se num debate sobre as formas do partido se contrapor à extrema direita liderada por Donald Trump e já houve quem sugerisse que Mamdani teria mais condições que Kamala Harris de fazer frente a Trump e aliados nas próximas presidenciais.

Mas Mamdani é imigrante, não pode candidatar-se a presidente. Cidadão dos Estados Unidos por naturalização pode concorrer à maioria dos cargos locais, estaduais e federais, nomeadamente ao Senado e Câmara dos Representantes, mas existem requisitos específicos para candidatos à presidência ou a vice-presidência, que exigem que o candidato seja “natural born citizen” (nascido cidadão).

Pode ser nascido no estrangeiro mas filho de americanos, como foi o caso do senador John McCain, candidato presidencial republicano em 2008, que nasceu no Panamá, mas era filho de americanos.

De qualquer maneira, a eleição de Zohran Mamdani é histórica, não só por ser imigrante, mas também por ser o primeiro mayor muçulmano de New York e o primeiro nascido em África.

Para já, Zohran Mamdani junta-se a uma longa lista de mayors novaiorquinos imigrantes, de que fazem parte, entre outros, Abe Beame (nascido no Reino Unido), que serviu de 1974 a 1977, Vincent R. Impellitteri (nascido na Sicília), que serviu de 1950 a 1953, e William O’Dwyer (nascido na Irlanda), que serviu de 1946 a 1950.

Quanto ao futuro, ver-se-á. Zohran tem 34 anos, se as coisas correrem bem em New York pode vir a dar um rico senador e quanto ao próximo candidato presidencial democrata as coisas vão arranjar-se.

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, anda a fazer-se à candidatura presidencial democrata, mas se não for ele será outro qualquer. Como dizia o saudoso Zé Vilhena, um presidente arranja-se sempre, mais difícil de arranjar é uma boa mulher a dias.

 

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