Aconteceu que, nos dias do segundo reinado, partiu um chamamento até aos confins da terra. Do Reno e do Danúbio, de Bruxelas e das ilhas do Oriente, do Japão e da Coreia, vieram os comandantes. Voaram em asas de ferro, carregando nos ombros o peso das nações, trazendo fitas e medalhas, reunindo-se em Quantico, na terra da Virgínia, sem saber ao certo para que haviam sido chamados. Washington murmurava: que significa esta convocação? Haverá guerra? Estará o inimigo às portas?
Eis que o homem das queixas entrou. Aquele que ama o som do seu próprio nome, aquele que fala sem cessar, cuja língua é torrente de lamentos. Levantou a voz e falou durante setenta e três minutos. Falou de José, chamado Biden, e da autopen que assinava como sombra. Falou da fronteira e das tarifas, de muros meio sonhados. Falou dos media, como serpentes no campo. Falou de jantares em Washington e de coroas negadas pelos guardiões de Nobel. Falou de si mesmo sem fim, como se o homem e a nação fossem um só.
Os generais sentaram-se em silêncio. Não aplaudiram, não se inclinaram, não desviaram o olhar. Eram pilares imóveis, estátuas de pedra talhada. O silêncio pesava mais do que palavras, pairando sobre a sala como tempestade por rebentar. No quadragésimo quarto minuto, surgiu a lâmina escondida no pão: Devíamos usar algumas destas cidades perigosas como campos de treino para os nossos militares. O ar foi trespassado, e a sombra caiu sobre a assembleia. É que as cidades não eram inimigas, mas habitações; não eram campos de batalha, mas casas. Ai das cidades, quando são contadas como terrenos de manobra. Ai das crianças, quando o seu riso é medido como lenha para a guerra. Ai da república, quando a língua do seu governante chama inimigos ao seu próprio povo.
Os generais ouviram, mas não falaram. O silêncio era pacto, juramento à Constituição, juízo e aviso. E o governante voltou às futilidades. Falou de couraçados sobre as águas, de bombardeiros B-2 a deslizarem como sombras sobre a terra, de Vitória no Mar, bobinas a preto e branco, fantasmas de outra guerra em que o inimigo estava lá fora e não cá dentro, em que o povo era um só e não dividido contra si mesmo. Mas a sua voz cansou-se, a cadência vacilou, o sopro tornou-se breve. Ansiava por riso, buscava adesão, procurava quebrar o silêncio. “Nunca entrei numa sala tão silenciosa”, disse. “Sejam soltos. Se querem aplaudir, aplaudam. Se querem gritar, gritem. Façam o que quiserem.”
Sem qualquer suspiro, os generais permaneceram em silêncio. O silêncio era o rugido do mar, o peso da montanha, o sussurro da história. Ai da terra quando o silêncio é a sua voz mais forte. Ai do governante que confunde silêncio com consentimento e imobilidade com lealdade. Ai do povo quando os seus guardiões são chamados para espectáculo e não para conselho.
A palavra correu para lá da assembleia, levada por escribas e observadores. Uns diziam: é como tudo o resto. Outros: eis a novidade, eis revelado o coração do governante. A maioria não discerniu. O ruído da queixa afogava a semente do aviso.
Se o silêncio não for escutado, espalhar-se-á pelas ruas. A imprensa cairá muda, os tribunais ficarão calados, as vozes do povo sufocar-se-ão. A república será como casa sem telhado, aberta à tormenta e à cheia. Porém, se o silêncio for lembrado com clareza, a casa poderá ainda resistir. Pois o silêncio pode ser semente e não apenas sepultura. Do silêncio pode erguer-se o clamor da justiça, a trombeta da liberdade, a palavra que afasta a espada.
Daí a visão coletiva. A república era casa quebrada, vigas rachadas, janelas estilhaçadas. As cidades fumegavam como fornalhas, ruas vazias de alegria. O governante estava sentado num trono de espelhos, e em cada vidro via apenas a si próprio. Os exércitos marchavam não para campos estrangeiros, mas para as suas próprias portas. As bandeiras da república erguiam-se contra os seus filhos, e o solo manchava-se não com o sangue de inimigos, mas com as lágrimas de irmãos.
Ai da nação que devora a sua própria carne. Ai do povo que toma o rugido do poder pelo canto da liberdade. Ai do trono erguido sobre a queixa, pois ruirá no terramoto do tempo. Mas eis que, após a tormenta, vi um resto. Uma semente vivia nas cinzas, uma faísca brilhava nas brasas. Do silêncio ergueu-se um clamor, o clamor fez-se coro, o coro fez-se multidão. E a população falou a uma só voz: nenhuma cidade será campo de batalha, nenhum vizinho será inimigo, nenhum silêncio será sepultura.
A casa foi reconstruída sobre a pedra da memória, não sobre a areia da queixa. As suas vigas eram compromisso, as janelas confiança, os pilares liberdade. Os generais depuseram as espadas, e o povo ergueu a voz em canto. O silêncio quebrou-se, não pela guerra, mas pela lembrança.
A visão foi selada, escrita para gerações ainda por nascer, para que saibam: a república não é trono, é casa. E uma casa pode ser quebrada, mas também pode ser reconstruída. Os generais sentaram-se em silêncio, e o silêncio era trovão, e o trovão foi ouvido no céu, e o céu chorou, e o céu esperou.




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