Texto de Alfredo da Ponte • Fotos: Fátima da Ponte
Decorreu no passado dia 18 de outubro, em Fall River, o vigésimo nono convívio ribeiragrandense da Nova Inglaterra, no qual participaram pouco mais de duzentas pessoas, que alegremente confraternizaram, sentindo a vivência no torrão-natal, através do rosto de cada uma.
Foi uma noite inesquecível, onde a música não faltou, e pela qual a pista de dança se manteve cheia, após as cerimónias que pouco tempo duraram. Digamos que estas foram as mais curtas de sempre.
O entretenimento esteve a cargo do nosso amigo e mestre José Maurício, que está sempre pronto a acompanhar os passos dos Amigos da Ribeira Grande, não fosse ele próprio um filho da terra, criado na pitoresca freguesia do Porto Formoso.
O evento realizou-se no salão de festas da Banda de Nossa Senhora da Luz, que pouco antes das seis horas da tarde abriu suas portas, praticamente à força, para deixar entrar gente faminta de convívio, que impacientemente aguardava no lado de fora, na altura em que se acabava a preparação da mesa de aperitivos.
Nesta vigésima nona confraternização destacou-se a pontualidade em todas as etapas da festa. Das seis às sete a matança de saudades reinou na sala. Depois da hora social seguiu-se o momento solene da execução dos hinos (americano, português e ribeiragrandense), e o tradicional minuto de silêncio em memória dos falecidos recentemente.
Depois das sopas, que foram servidas às sete, discursou o presidente dos Amigos da Ribeira Grande, que num tom de “sweet & short” salientou as baixas de participantes nestas confraternizações anuais, defendendo a teoria de que estas festas são alimentadas pela saudade, neste caso a saudade da terra que nos viu nascer, e que, pelo facto dos mais idosos seguirem rumo ao outro mundo, o número de convivas vai descendo, o que considerou muito normal.
Alguns dizem que é necessário injectar sangue novo nas organizações, para que elas continuem a funcionar a cem por cento. Tudo bem até aqui, e apoiamos esta ideia. Mas sejamos sinceros: um convívio de naturais e amigos de uma determinada região é incendiado pelos seus naturais, e só arde quando a saudade lhe dá o combustível primário. Quando está ardendo pode ser alimentado com axas de alegria e nostalgia para se lhe manter as chamas acesas. Mas quando a saudade se consome, o lume começa a ficar brando, e mais tarde se apaga. Infelizmente.
Num ambiente de fogo aparece sempre um bombeiro; e a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande é, sem dúvida, a organização que mais longe tem levado o nome da Ribeira Grande. Este ano veio representá-la o Sr. Miguel Sousa Melo, secretário da direção.
Este mesmo senhor, para além de estar ligado aos bombeiros voluntários, é o presidente da Junta de Freguesia de Santa Bárbara. Outra situação que merece um comentário, porque nenhuma junta de freguesia do concelho da Ribeira Grande se fez representar na festa, tendo em conta que se havia realizado eleições autárquicas em Portugal, seis dias antes.
Ainda assim, a maioria das juntas respondeu ao convite, no princípio do ano, negativamente, claro, dando a culpa às eleições, que tiveram lugar no calendário quase em cima do acontecimento da festa. Todas responderam ao convite, menos a Matriz, que era a freguesia que nunca antes desapontou os Amigos da Ribeira Grande. Antes pelo contrário, porque ambas as partes sempre tiveram boas relações ums com a outra, mesmo em diferentes épocas, em que se presenciou mudanças de cores partidárias.
Esta coisa de não dar resposta, mesmo eletrónicamente, é vista como uma falta de educação, ou como um gesto de desprezo. Mas a vida tem destas coisas, e para frente é que é caminho.
Ainda em matéria de decepções, foi de louvar a atitude do presidente cessante, Alexandre Gaudêncio, cujo mandato termina a 3 de novembro, enviando uma saudação pessoal aos fusíadas da América do Norte, por ocasião da sua confraternização anual. O mesmo esperava-se daquele que o vai substituir, o que infelizmente não aconteceu. E isto só vem reforçar o nosso ponto de vista, de olhar mais para a pessoa do que para o partido que representa. O partido pode ser o mesmo, mas as pessoas são sempre diferentes. Deus permita que o novo “mayor” da Ribeira Grande não siga os passos do seu conterrâneo, Monsieur Antoine Pierre de la Côte du Nord, para não termos mais uma ditadura de quatro anos, ou de oito, ou de doze, ou de vinte, salvo seja!
Voltando ao convívio, convém mencionar que durante as cerimónias fizeram uso da palavra quatro pessoas: o presidente dos Amigos da Ribeira Grande, Alfredo da Ponte; o presidente da Casa dos Açores, Francisco Viveiros, que em breves palavras saudou os confraternizantes; e o Sr. Miguel Sousa, que fazendo o mesmo, agradeceu a amabilidade, o carinho e a hospitalidade com que estava sendo tratado em terras americanas. Finalmente discursou o convidado de honra, Sr. Carlos Teixeira, que tendo vindo do Estado de Nova Iorque, consegiu manter a sala em silêncio enquanto falava. Coisa que já não se via acontecer há mais de trinta anos, quando nos veio visitar o saudoso Padre Edmundo Manuel Pacheco. Temos quase a certeza que nenhum pregador da igreja moderna conseguiria proeza semelhante. O discurso de Carlos Teixeira foi o máximo. Sinceramente, temos mesmo a acrescentar, que as suas palavras merecem ser publicadas só em si, porque o texto, além de ser riquíssimo em todos os aspectos é acessível a todo o tipo de leitores, e transborda saudade, alegria e nostalgia, por todos os lados, louvando a Ribeira Grande e a sua gente.
Por incrível que possa parecer, a verdade é que, com menos gente nesta confraternização anual, as pessoas conviveram mais umas com as outras, e muitas viram gente que há muitos anos não contactavam. Por exemplo, Alfredo da Ponte e Jorge Pereira, que foram colegas de escola da primeira classe até até ao oitavo ano de escolaridade, já não se viam há mais de quarenta e cinco anos; e no dia 18 de outubro encontraram-se neste convívio, e puseram a escrita em dia.
O livro programa deste ano, para além de servir de arquivo e de trazer aos convivas informação útil e curiosidades, lamenta na secção das fuseiradas o facto de este ano os Amigos da Ribeira Grande não terem tido aplicantes às suas bolsas de estudo. É sinal que está todos estão ricos. Ainda bem!…
A festa poderia ter durado até à meio-noite, mas às onze a música parou, por já não haver ali ninguém para dançar. Os dançarinos estavam todos cansados e satisfeitos.
Intervenção de Carlos Teixeira, convidado de honra do convívio
Carlos Teixeira, bem sucedido empresário natural da Ribeira Grande, São Miguel e atualmente a residir no estado de New York, foi o convidado de honra do convívio ribeiragrandense.
Na sua intervenção, não escondeu a emoção e sua profunda afetividade à terra de origem, num discurso que atraiu a atenção de todos os convivas.
“É com uma grande emoção e um profundo sentimento de gratidão que me encontro aqui esta noite, rodeado de tantos rostos amigos, tantos corações que como o meu, batem pela Ribeira Grande. Ser o convidado de honra deste encontro é algo que me toca de forma muito especial, e quero, antes de tudo, agradecer sinceramente aos organizadores deste convívio e a cada um de vocês por este gesto tão bonito de amizade e reconhecimento. Como todos vós, também eu saí da Ribeira Grande depois de terminar o liceu. Na altura, era um jovem cheio de sonhos, com o desejo de conhecer o mundo, de estudar, de crescer e de conquistar o meu espaço. A vida levou-me até à Universidade de Rhode Island, onde ao fim de seis anos concluí o meu mestrado em Direito Internacional Marítimo. Foi um período marcante da minha vida que me ensinou muito, não só academicamente, mas também sobre o valor do trabalho da persistência e da identidade.
No meu percurso, foram muitos os desafios, muitas as aprendizagens, mas também muitas as recompensas. No entanto, posso dizer com toda a certeza que, independentemente de onde estive ou das conquistas que alcancei, nunca deixei de sentir a presença constante da Ribeira Grande no meu coração. Há algo de muito forte e especial em ser ribeiragrandense. É um sentimento que não se explica apenas com palavras, é algo que se sente no mais fundo da alma.
Embora viva no Estado de Nova York, com a minha mulher Marta, três filhos e sete netos, a Ribeira Grande é sempre a nossa casa, é o lugar onde demos os primeiros passos, onde aprendemos o valor da amizade, do respeito e da humildade. É onde estão as nossas memórias de infância, as festas, os cheiros, os sons do mar, das lagoas, das montanhas, e das paisagens que nunca se apagam da nossa memória. Mesmo quando a vida nos leva para longe, há uma força invisível que nos mantém ligados à nossa terra natal. Essa força chama-se “saudade”. É uma palavra que só quem é português entende verdadeiramente. E é essa saudade de açoriano que, em vez de nos entristecer, nos une, nos inspira e nos faz regressar, nem que seja através da memória, ou destes encontros maravilhosos entre ribeiragrandenses.
Nós, emigrantes, somos testemunhas vivas dessa ligação. Carregamos connosco a Ribeira Grande em cada gesto, em cada palavra, em cada celebração. É o nosso dever, e também o nosso privilégio partilhar esse amor com as novas gerações. Os nossos filhos e netos talvez não tenham vivido as mesmas experiências que nós. Talvez não conheçam cada rua ou cada rosto da Ribeira Grande, mas através de nós, das nossas histórias e do nosso exemplo, podem aprender a sentir orgulho nas suas origens. Ser da Ribeira Grande é mais do que nascer lá. É pertencer a uma comunidade feita de gente trabalhadora, honesta, solidária e cheia de fé. É por isso que convívios como este são tão importantes. Eles não servem apenas para matar saudades, mas também para manter viva a chama da nossa identidade ribeiragrandense e açoriana. Aqui partilhamos memórias, revivemos tradições, e sobretudo, reforçamos os laços que nos unem. Cada abraço, cada conversa, cada sorriso partilhado hoje aqui, é uma prova de que a distância pode separar-nos fisicamente da nossa terra, mas nunca emocionalmente”, sublinhou Carlos Teixeira, que teve palavras de elogio para a comissão organizadora:
“O vosso esforço é um exemplo do que melhor caracteriza o povo ribeiragrandense: a capacidade de se unir, de celebrar e de nunca esquecer as suas raízes. E, acima de tudo, quero agradecer pela amizade e pelo calor humano que encontro aqui hoje. Sinto-me verdadeiramente em casa e essa é a maior honra que alguém pode receber.
Termino com uma reflexão simples, sincera e do fundo do meu coração: “podemos viver longe da Ribeira Grande, mas a Ribeira Grande nunca vive longe de nós”. Ela está presente em cada recordação, em cada conquista, em cada gesto de solidariedade entre nós. E enquanto continuarmos a reunir-nos, a celebrar e a lembrar de onde viemos, ela continuará viva não só na memória, mas também no coração das gerações que virão depois de nós.




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