Norberto Serpa: uma vida dedicada ao mar e navegador de sete mares

by | Jun 12, 2025 | Cultura outros, Notícias das Comunidades

“Adoro esta vida e não a troco por nada deste mundo”

– O picoense de Santo Amaro iniciou segunda-feira a travessia New Bedford-Horta no seu veleiro Taka Três acompanhado de quatro experientes tripulantes açorianos

  • Apontamento: Francisco Resendes • Fotos: PTimages

Nasceu na ilha do Pico, em 1956 e fez um pouco de tudo no oceano: pescador, mergulhador profissional, técnico biólogo marinho, skipper, operador marítimo-turístico, velejador. Acompanhou desde o início o crescimento do departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, onde fez escola durante mais de 30 anos e trabalhou com nomes incontornáveis da investigação marinha mundial. Fundou a sua companhia de mergulho e observação de baleias e golfinhos, hoje uma das maiores e a mais conhecida dos Açores. Participou em diversos documentários sobre o mar dos Açores, emitidos em relevantes canais televisivos (Arte, BBC, Nat Geo, NHK, etc.). Serpa atravessou à vela o Oceano Atlântico em cinco ocasiões, a mais recente das quais no Taka Três, o veleiro que irá transportá-lo entre New Bedford e a cidade da Horta, no Faial.

Para Norberto Serpa, para muitos considerado como verdadeiro “lobo e lenda do oceano”, o mar foi e continua a ser uma paixão, o seu mundo, o seu estilo de vida e o seu paraíso.

E lá fomos, na manhã da passada sexta-feira, à Pope’s Island, em Fairhaven, MA, onde estava atracado o Taka Três, um veleiro com mais de 50 pés de comprimento, com todo o equipamento para navegar em qualquer mar, falar com Norberto Serpa.

“Sim, desde os tempos de infância, mas a verdade é que não vivia assim tão perto do mar, estava a cerca de um quilómetro, pois São Caetano é uma freguesia sobranceira ao mar e o meu não era pescador, um dos meus avós é que vivia quase da pesca e da agricultura. Recordo que nessa altura o meu pai, sendo uma pessoa de forte compleição física, era o remador, a pessoa que levava o mestre para ir pescar e voltar pois naquela altura os barcos eram a remos… Enfim, fui vivendo nesse ambiente e criando interesse pelo mar e aos 14-15 anos de idade fui fazendo o que meu pai fazia: remando e acompanhando outros nessa faina do mar e conhecendo as diversas espécies de peixe, mas tudo de forma artesanal e com homens profundamente conhecedores do mar e da pesca”, refere Norberto Serpa em entrevista ao Portuguese Times, acompanhado pelos restantes tripulantes que estão neste momento a efetuar a travessia atlântica, tendo largado na manhã da passada segunda-feira.

Mas voltando ao passado, pouco tempo depois, o nosso “lobo do mar” construiu a sua própria lancha de quatro metros com um pequeno motor, o que lhe permitia ir um pouco mais longe da costa e começando logo aí a mergulhar apanhando lapas, polvos e toda a variedade de peixe. “Foram de facto anos de aprendizagem de saber como lidar com as marés e ventos, mas economicamente pouco rentável, não havia exportação do peixe e marisco como hoje em dia, enfim, era um tempo diferente”, recorda, sublinhando ainda que a vida do mar era uma aprendizagem constante.

Aos 24 anos a vida de Norberto no mar conhece outra etapa:

“Para além desta envolvência apaixonada pelo mar, eu e meus irmãos decidimos fazer em adega, com trabalho em pedra e cimento, trabalhava em jardinagem, serviços variados, como cafés e restaurantes, enfim foi uma fase da minha vida em que fazia praticamente tudo e sempre ligado ao mar, obviamente”, afirma, adiantando que se voltasse ao passado faria tudo novamente como tinha planeado. “Gosto desta liberdade, da vida do mar e desta espontaneidade e isto é uma paixão que senti desde pequenino”, esclarece, para esclarecer em seguida: “Dou graças a Deus por ter uma companheira que compreende e respeita o meu espaço e temos uma relação muito boa, de mútuo respeito, com os meus filhos e netos que adoro e que eles admiram este meu estilo de vida, até porque as crianças captam mais facilmente este espírito livre e desprendido, enfim esta criança que em mim vive”.

Navegar noutras latitudes

A outra faceta de Norberto Serpa é a de navegador e que permite conhecer novos mundos, novos povos e até mesmo conquistar novas amizades.

Recorda uma viagem marítima à Nova Guiné, ilha localizada na Oceânia, mais especificamente no sudoeste do Oceano Pacífico.

“Nessa viagem estava previsto ali permanecer durante 1 ou 2 dias, mas depois conheci uma família muito simpática que me acolheu e ali fiquei durante mais de uma larga temporada e depois isto de navegar permite-nos “viajar ao nosso interior”, pensar nas coisas mais essenciais da vida, porque temos todo o tempo do mundo para isso, uma vez que estamos a navegar em barcos à vela, lentos e acabas por fazer coisas que em terra não fazes, como por exemplo dedicar tempo à leitura e neste momento estou a ler um livro de Fernando Pessoa, o que não acontece quando estou em terra porque há muitas afazeres a tratar”, confidencia-nos este navegador natural de Santo Amaro, ilha do Pico e que reside atualmente no Faial, e adora o que faz: “Estou no meu paraíso, não quero outra coisa enquanto tiver esta energia, até porque tenho tido a sorte de cultivar novas amizades e conhecer pessoas magníficas e sempre prontas ajudar-me e isto é fantástico e depois convivo muito, quando estou em terra, com os amigos e família na minha adega e na minha empresa, com muitos turistas vindos de diversas partes do mundo e que adoram o mar e isso tem-me naturalmente ajudado imenso a viver confortavelmente a vida que sempre escolhie e que não troco por nada”, esclarece.

Enorme potencial dos Açores no turismo náutico

“As nossas ilhas oferecem um potencial incrível com grande património marítimo mas é necessário incutir uma cultura de respeito e mais vasto conhecimento pelo meio ambiente, sabendo preservá-lo para gerações futuras e para proteção das espécies e da rica biodiversidade marinha que os nossos Açores proporcionam e a verdade é que isso nem sempre acontece, pois aqui e ali temos constatado abusos de vária ordem em zonas de reserva e algumas delas consideradas património mundial, embora vejamos nas novas gerações essa preocupação em saber preservar o meio ambiente, tanto na terra como no mar e graças a um turismo com mais formação e preparação temos vindo também a constatar uma evolução nesse sentido, mas todos têm que participar”, sublinha Norberto, que nutre grande admiração pela cidade de New Bedford, não só pela sua rica história da baleação com profundos laços históricos com os Açores, mas também pela forma como a cidade tem aproveitado prédios antigos outrora utilizados na indústria têxtil mantendo a sua traça arquitetónica mas completamente renovados.

A travessia New Bedford-Horta

A travessia atlântica no veleiro Taka Três não é propriamente novidade. São várias as travessias por outros mares e todos os cinco tripulantes estão conscientes de que embora as coisas possam decorrer como esperado, há que ter em conta alguns contratempos, como períodos de tempo calmo, sem vento, de pouca progressão, como também ventos a favor ou ainda depressões, e aqui há que redobrar cuidados.

“Estamos sempre em contacto com pessoal em terra que vão dando orientações e prevenindo para situações de vária ordem que possam ocorrer. No entanto devo dizer que há duas coisas que um navegador quer evitar: as depressões e as calmarias, curiosamente duas situações que enfrentei na minha viagem de Miami para New Bedford: apanhei a calmaria, sem ondas ou ventos fortes, e que me atrasou cerca de sete milhas e depois, com a corrente do Golfo do México, enfrentei a depressão, o que me deu dois-três nós de corrente mais a velocidade do barco e fiz uma viagem espetacular… Agora com esta travessia atlântica New Bedford-Horta, para mim não é grande aventura por dois motivos: vou estar sempre em contacto com terra e alguém vai fornecer-me informações importantes e depois vou acompanhado de uma tripulação com larga experiência do mar”, esclarece Norberto, que adianta sobre o percurso previsto: “Sei que vou apanhar ventos favoráveis e tenciono ir em linha direta para os Açores, mas sei que as depressões virão mais do norte e talvez tenha que mudar o rumo mais para sul, mas só me desvio para fugir das depressões, de resto vou diretamente aos Açore, até porque estamos acima do paralelo dos Açores, mas reafirmo que o percurso vai depender da informação que vou recebendo de terra”, esclarece o nosso entrevistado, que, para além da experiência da tripulação, tem um barco forte e bem preparado.

Ao chegar ao seu destino, sabe que tem muito trabalho pela frente. Vem aí a época de turismo mais intenso, mas também é preciso dedicar tempo à família e amigos.

“Esta vida permite-me conhecer novos mundos, cultivar novas amizades e isso para mim é bastante gratificante, para além de fazer isto com gosto e paixão. Adoro esta vida e não a troco por nada deste mundo”, conclui Norberto Serpa.

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