Prof. Onésimo T. Almeida e o 25 de Abril

 

"O 25 de Abril abriu as pessoas para o debate político tornando-as mais abertas à expressão do seu pensamento"

- Prof. e escritor Onésimo T. Almeida ao Portuguese Times

 

Onésimo Teotónio Almeida, escritor e professor da Brown University, autor de vários livros, alguns dos quais premiados e aclamados pela crítica da especialidade, com mais de duas centenas de ensaios divulgados em publicações académicas, jornais e revistas em Portugal, nomeadamente na revista LER e o Jornal de Letras e um dos mais antigos colaboradores do Portuguese Times, marcou presença no colóquio internacional promovido pela UMass Dartmouth dias 4, 5 e 6 de abril, sobre a Revolução do 25 de Abril de 1974 e durante a sua intervenção recordou esse momento histórico, já radicado nos EUA e impacto na comunidade portuguesa dos EUA.

• Entrevista: Francisco Resendes

PT - Que memórias guarda do 25 de abril?
Onésimo T. Almeida - “Foi vivido à distância. Estava num colóquio em S. José, Califórnia, onde por sinal também estava o escritor Jorge de Sena, na altura catedrático na Universidade da Califórnia Santa Bárbara. Não suspeitávamos de nada. O John Correiro, na altura director da Hartwell Street School de Fall River, bateu-me à porta do quarto do motel onde estávamos hospedados a dizer que tinha ouvido na televisão a notícia de um golpe de estado em Portugal liderado por um tal Spinola (pronunciado Spinóla). Não soubemos mais nada nesse dia. Pusémo-nos logo à escuta e à cata de notícias. Eram todas muito vagas, só no dia seguinte soubemos algo mais, mas tudo sempre muito nebuloso”.

PT - Como reagiu a comunidade aos acontecimentos e impacto aqui?
OTA - “A princípio, sem saber bem como. À medida que foram chegando mais notícias, muita gente passou a celebrar o evento; mas à medida que a situação em Portugal se foi movimentando para a esquerda, o entusiasmo por aqui foi cedendo lugar à apreensão, e depois à preocupação”.

PT - Que meios haviam na altura para uma atualização do evento e repercussões após o ato (comunicação social)?
OTA - “Havia poucos meios. Os jornais de Portugal chegavam tarde. Na verdade, não eram muitos os assinantes por cá. O jornal português com mais assinantes era, de longe, A Bola. A comunicação social mais importante da comunidade portuguesa desta área era o Portuguese Times e a WJFD-FM, ambos de New Bedford. Havia alguns programas de rádio e um de TV, mas tinham pouco tempo de emissão. Se alguém se der ao trabalho de folhear o jornal, verificará que ele apenas ecoava as informações produzidas pela imprensa portuguesa. Mas notará também que os colaboradores locais e as cartas ao director refletem inquietação com a aceleração dos acontecimentos em Portugal”.

PT - O que mudou (se é que mudou) no pensamento coletivo da comunidade lusa ou dos seus principais líderes?
OTA - “As pessoas começaram a interessar-se muito pela política portuguesa e seguiam com interesse e receio os acontecimentos. Nos jornais e sobretudo na rádio aqui falava-se quase obsessivamente do que se ia passando em Portugal. Foi criado um movimento Portugal Livre que a mim sempre me pareceu ridículo pois Portugal já estava libertado. Mas durou pouco. Em pouco tempo, o que começou a dominar a cena política nas nossas comunidades foi a questão da independência dos Açores. Primeiro como o Comité Açoriano 1975, que pouco depois se integrou na Frente de Libertação dos Açores – a FLA – cujo líder José de Almeida veio viver para Fall River com o objetivo de mobilizar a comunidade açoriana para intervir junto do poder políitco norte-americano, a fim de tentar conseguir dele apoio para a independência.
Os ânimos acenderam-se e o ambiente geral ficou hipertenso porque a grande maioria dos continentais não era a favor da independência dos Açores, como também muitos acorianos não eram. Era sobretudo a comunidade micaelense que estava empenhada no movimento. Muitos açorianos das outras ilhas receavam que a independência dos Açores significasse a mudanca de poder de Lisboa para Ponta Delgada. Por sua vez, os continentais que simpatizavam com a FLA faziam-no porque receavam que Portugal caísse sob o domínio comunista e soviético. 
Na verdade, o movimento ganhou uma dimensão de cruzada religiosa contra o comunismo ateu, que era o terror principal para muitos católicos. Por isso, quando ocorreu a cisão entre Mário Soares e Álvaro Cunhal que fez com que os socialistas se demarcassem do marxismo aliando-se claramente à social democracia europeia, o perigo do comunismo foi-se desaparecendo e a FLA perdeu toda a sua força”.

PT - Como foi a relação da FLA com o poder político americano?
OTA - “A FLA nunca conseguiu o apoio de Washington. Kissinger, o Secretário de Estado na altura, considerava Portugal perdido para o comunismo e achava importante apoiar a independência dos Açores porque o que em Portugal interessava aos EUA era sobretudo a Base das Lajes. Depois, tudo seria uma questão de tempo. Historicamente já tinha havido duas ocasiões em que os Açores tinham agido como lugar de recuo para depois se assaltar o poder no Continente. Foi no período que precedeu o domínio filipino, nos finais do século XVI, e a Terceira durante três anos foi o único lugar que resistiu durante três anos. O outro foi no período das lutas liberais quando D. Pedro IV reuniu forças nos Açores para tomar o poder que estava nas mãos dos absolutistas. Essas referências históricas eram usadas, mas Frank Carlucci, que era o embaixador dos EUA em Portugal na altura, discordava de Kissinger e achava fundamental apoiar Soares e afastar os comunistas do poder. Carlucci acabou por ganhar. Mas ele teve também sempre o apoio do Senador Clairbone Pell, de Rhode Island, que era Chair of the Foreign Relations Committee no Senado e por isso uma figura com imenso poder. O pai do Senador Pell tinha sido Ministro dos EUA em Portugal (era assim que nos anos 40 aqui designavam um embaixador) e Pell ficou sempre com uma grande afeição ao nosso país. Era totalmente contra a independência dos Açores, pois isso enfraqueceria Portugal.
Os EUA tinham muito receio de interferir diretamente em Portugal. Em 1973 tinha interferido no Chile e eram acusados de ser responsáveis pela morte de Salvador Allende, o presidente esquerdista. Precisamente em 1975, no auge das lutas entre a esquerda e a direita em Portugal, Philip Agee publicou um livro em que revelava documentos secretos confirmando a intervenção americana no Chile. Foi por isso que os EUA preferiram agir indiretamente. Em vez de apoiarem publicamente Mário Soares, fizeram-no através dos partidos social-democratas da Alemanha e da Suécia, cujos líderes eram Helmut Kohl e Olof Palme respetivamente.
Foi assim que se esfumou a ação da FLA, mas ela contribuiu indiretamente para que em Portugal se tomasse consciência da grande força identitária existente nos Açores. Isso ajudou imenso o grupo de açorianos que em Lisboa desempenhavam papel de relevo na cúpula do Partido Socialista: Jaime Gama, José Medeiros Ferreira, Eduardo Paz Ferreira e Mário Mesquita. Foram eles quem arquitetou o estatuto de autonomia para o arquipélago. A Madeira aí beneficiou porque seria impossível não ter idêntico estatuto. Com a entrada de Portugal na Europa, esse estatuto ficou definitivamente consolidado pois havia já muitos casos semelhantes reconhecidos em diversos países da União Europeia. Consolidadas as estruturas democráticas em Portugal e nos Açores, a ideia de independência desapareceu. Os fundos que comecaram a chegar da Europa acabaram enterrando-a definitivamente.
Só queria acrescentar que houve outras figuras açorianas importantes no processo, como Mota Amaral e Natália Correia, por exemplo, mas esse referido núcleo açoriano nas altas estruturas do Partido Socialista constituiu a chave crítica”.

PT - O 25 de abril terá contribuído de alguma forma para o despertar da importância e consequentemente uma participação da comunidade portuguesa na vida política dos EUA?
OTA - “Sim, abriu as pessoas para o debate político, tornando-as mais abertas à expressão do seu pensamento. Também ensinou-lhes que a participação nas discussões políticas faz parte da democracia. A comunidade tornou-se mais interveniente a esse nível, embora só muitos mais tarde se tenha comecado a convencer da importância de deixar a política portuguesa entregue aos portugueses que vivem em Portugal e que o importante para nós aqui era intervir na vida política dos EUA”.

PT - No mundo literário terá havido algum “boom” de novos poetas, escritores, etc... uma vez que muitos porventura estavam “escondidos” temendo represálias do regime fascista?
OTA - “Não. Nunca aconteceu. Alguns livros que estavam na gaveta foram publicados, sim. Estou. A lembrar-me do romance O Milagre Segundo Salomé, do escritor José Rodrigues Miguéis, que vivia em Nova Iorque. Mas foi quase uma exceção. É um romance magnífico, mas passou despercebido do público porque os livros que mais vendiam era de política. A seguir à revolução, baixou muito o interesse pela literatura. Só passada mais de meia-dúzia de anos regressou o interesse pela literatura. Os novos escritores que começaram a afirmar-se (José Saramago e A. Lobo Antunes, por exemplo) nenhum tinha livros na gaveta. Na comunidade portuguesa aqui não houve qualquer alteração pois quem quisesse publicar um livro nos EUA antes do 25 de abril não teria qualquer problema com o governo americano”.